O GLOBO, n 32.335, 16/02/2022. Brasil, p. 10
A transexual de alta patente do Distrito Federal
Luísa Marzullo*
Coronel da reserva da PM, Maria Antônia sofreu oito cirurgias por transformação que desejava desde que era criança
Com mais de 30 anos de carreira e na reserva desde 2006, a coronel da Polícia Militar do Distrito Federal Maria Antônia esteve em Brasília no dia 2 para retificar os dados em seus documentos. No dia de Iemanjá, Maria se tornou a primeira coronel transexual da corporação, e a única do país a alcançar tal patente. Em entrevista ao GLOBO, Maria Antônia, que mantém um canal de YouTube de apoio a outras mulheres da comunidade LGBTQIA+, diz que seu próximo projeto é escrever um livro sobre sua trajetória.
—Muitas pessoas trans e cis já me disseram que gostariam de ver minha história, trajetória e transição segura em um livro. Não tinha pensado nisso ainda, mas agora estou aberta a essa ideia —diz a coronel da reserva, que não divulga o sobrenome para evitar ataques transfóbicos.
Maria Antônia ingressou na Polícia Militar em agosto de 1987. Na corporação, a oficial ajudou a fundar o 5º Batalhão, que cuida dos setores das embaixadas de Brasília, a partir do Lago Sul. Em sua carreira, também atuou no 1º (Asa Sul), 2º (Taguatinga) e 3º BPMs (Asa Norte), além de exercer a chefia de gabinete no comando-geral da PM. Em maio de 2001, ela recebeu a medalha de Tiradentes, maior condecoração concedida pela Polícia Militar do Distrito Federal.
Apesar de ter iniciado o processo de transição de gênero anos após passar para a reserva, a coronel conta que a identificação com o gênero feminino vem desde a infância. A oficial também diz que nunca foi vítima de ataques transfóbicos na corporação. Segundo ela, os antigos colegas da PM reagiram com naturalidade diante da notícia de que assumiria a nova identidade.
—A pessoa que é preconceituosa tem algo dentro dela a ser resolvido, isso não diz respeito à vítima do preconceito. Cada uma de nós, independentemente das circunstâncias em que vive, é um universo inteiro, é um ser humano pleno, uma pessoa única —defende.
Hoje com 60 anos, Maria Antônia lembra que, aos 10 anos de idade, colocava vestidos nos momentos em que os pais não estavam em casa. Assumir-se como mulher demorou décadas, conta, pela pressão social e o receio de ser rejeitada. Ao tomar a decisão, a reação de quem foi informada dela pela primeira vez a surpreendeu. Positivamente.
—Primeiro conversei com meus filhos (uma mulher de 27 anos e um homem de 29). Era muito importante para mim saber como as pessoas que amo iriam reagir a isso. Para minha surpresa, todos apenas queriam que eu fosse feliz —relata a coronel.
Com o apoio da família, a coronel iniciou o processo de transição e traçou um planejamento que envolveu vários profissionais e tratamentos médicos, que incluíram oito cirurgias relacionadas à feminização facial. Submetida ao procedimento aos 57 anos, ela acredita que não existe idade certa para o início desse processo.
—Não existe essa ideia na minha cabeça de ser cedo ou tarde, cada pessoa tem o seu tempo. A cirurgia também não é necessária, depende do grau de disformia. A partir do momento em que você se identifica, você é. E para que haja visibilidade, nós precisamos estar vivas — recomenda a militar.