O GLOBO, n 32.335, 16/02/2022. Saúde, p. 19

ETERNA VIGILÂNCIA

Rafael Garcia


Estudo aponta 0 custo e os meios de conter as próximas pandemias

Estudo estima que com esse gasto anual seria possível adotar medidas que evitariam nova pandemia. Valor equivale a 1/20 do impacto global que ela provocaria.

Deter a próxima pandemia antes de seu surgimento é possível, e o custo de fazer isso equivale a um vigésimo do impacto econômico global que ela provocaria, afirma um novo estudo. A receita para o planeta alcançar esse feito tem três ingredientes: a criação de um sistema mundial de monitoramento de zoonoses, ações para acabar com o desmatamento e a eliminação do tráfico de animais silvestres.

No trabalho, liderado pelo sanitarista Aaron Bernstein, da Universidade Harvard, economistas e pesquisadores de diversas áreas estimaram que o preço dessas medidas protetivas pode ser distribuído ao longo das próximas décadas, e seria de US$ 20 bilhões anuais.

Em comparação, o impacto dos eventos conhecidos como “spillovers” (a passagem de patógenos animais para humanos) tem provocado perdas de US$ 212 bilhões ao ano no último século. Se levadas em conta as mortes causadas por essas doenças, somam-se a esse valor mais US$ 350 bilhões.

Segundo Bernstein e colegas, a margem de erro da simulação é grande, mas é possível afirmar que, mesmo que o real valor não alcance essa soma de R$ 550 bilhões, a estimativa mínima é de US$ 400 bilhões. Daí sai a conclusão de que o valor da solução é pelo menos da ordem de um vigésimo do custo do problema.

DANO PROLONGADO

O cálculo dos cientistas é baseado no impacto duradouro de epidemias grandes e pequenas iniciadas nos últimos 105 anos, incluindo a Covid-19, a Aids e a gripe espanhola. Para fazer a conta, foram computadas todas as doenças humanas derivadas de zoonoses que deixaram ao menos dez mortos.

Para estimar o peso financeiro das mortes provocadas pelas pandemias, os pesquisadores atribuíram preços a cada óbito causado pelos patógenos, usando o conceito econômico de WTP (“willingness to pay”). Esse recurso consiste em determinar o tamanho do investimento que cada país está disposto a fazer para reduzir sua taxa de mortalidade. Dependendo da riqueza de cada nação, esse valor variou entre US$ 107 mil e US$ 6,4 milhões por morte.

Precificar a vida de pessoas pode parecer uma maneira cruel de fazer planejamento, mas foi o que permitiu aos cientistas comparar métodos diferentes de políticas públicas para salvá-las. E, segundo os cientistas, as diretrizes que guiam a atual resposta global contra epidemias não são aquelas que previnem mais mortes.

“Formuladores de políticas criaram planos considerando que a melhor maneira de lidar com futuras catástrofes pandêmicas seria ‘detectar e conter’ ameaças zoonóticas emergentes. Em outras palavras, defenderam agir somente depois que os humanos ficassem doentes. Nós discordamos radicalmente disso”, escreveram os cientistas, em seu artigo na revista Science Advances.

PREVENÇÃO

Segundo Bernstein, essa abordagem “reativa”, em oposição a uma estratégia “proativa”, precisa ser considerada por gestores de saúde em governos nacionais e por organismos internacionais.

— Se a Covid-19 nos ensinou alguma coisa, é que a testagem, os tratamentos e as vacinas podem prevenir mortes, mas eles não param por completo a disseminação global dos vírus, e podem nunca prevenir a emergência de patógenos novos — afirmou o cientista, em entrevista coletiva. — Não podemos contar apenas com estratégias “pós-spillover” para nos proteger.

A demógrafa brasileira Márcia Castro, também professora de Harvard e coautora do estudo, afirma que a melhora no custo-benefício da adoção de medidas globais preventivas de “spillover” foi até mesmo subestimado no estudo, porque inclui ações que beneficiam a humanidade em outras frentes, como a ambiental. A intrusão de pessoas em florestas para provocar desmatamento, por exemplo, é um dos fatores de risco de exposição de humanos a novos patógenos.

— O emprego de recursos para reduzir desmatamento é um investimento para prevenir futuras epidemias, mas também para mitigar ameaças já existentes, como a malária e doenças respiratórias associadas com a queima de florestas — afirma a cientista. — Fazer esses investimentos em prevenção traz retornos para a saúde humana, para o ambiente e para o desenvolvimento econômico.