O GLOBO, n 32.335, 16/02/2022. Política, p. 6

Como influenciadores ampliaram as fake news sobre Adélio Bispo

Marlen Couto e Jan Niklas


Levantamento mostra que, no Facebook, principais posts com desinformação tiveram alcance bem maior que desmentidos

Desmentida pela Polícia Federal, a afirmação falsa de que Adélio Bispo, autor do atentado contra o presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, prestou um novo depoimento e informou que o ataque foi encomendado pela campanha de Fernando Haddad (PT) expôs mais uma vez a velocidade e o impacto da desinformação nas redes sociais. Um levantamento feito pelo GLOBO com base em dados do CrowdTangle, ferramenta de monitoramento da Meta, controladora do Facebook, revela que, das 20 postagens com maior engajamento na plataforma nos últimos três dias sobre Adélio Bispo, 13 são reproduções da fake news.

A Polícia Federal negou anteontem que Adélio Bispo tenha prestado um novo depoimento. Boa parte das publicações com a fake news citou como fonte um tuíte da conta @AnonNovidades, que se apresenta como representante do movimento hacker Anonymous. No último sábado, o perfil fez referência ao depoimento, sem indicar a origem da informação.

Com base no conteúdo divulgado na conta no Twitter, influenciadores e parlamentares bolsonaristas entraram em cena em diferentes plataformas e foram os principais responsáveis pelo impulsionamento da fake news, uma fórmula recorrente na divulgação de desinformação na base bolsonarista. Nos grupos de WhatsApp e Telegram, links de vídeos de canais conhecidos entre apoiadores do presidente serviram como material de apoio para alimentar o assunto.

No Facebook, os conteúdos com a mensagem falsa mais compartilhados tiveram quase três vezes mais curtidas, comentários e compartilhamentos que checagens e postagens desmentindo a fake news, cenário também comum quando se trata de desinformação.

Ao todo, essas publicações somaram 126,7 mil interações e quatro delas tiveram sozinhas mais de 371,3 mil visualizações de vídeo. Por outro lado, postagens com a informação de que se tratava de uma mensagem falsa entre as 20 com maior impacto digital somaram apenas 44,2 mil interações. Nesse grupo, estão contas de portais de notícia e parlamentares petistas.

Ao menos cinco publicações com a desinformação não estavam mais no ar até as 15h de ontem. Outras quatro receberam selo de mensagem falsa e três postagens seguiam no ar sem qualquer intervenção do Facebook. Nesse grupo, estão vídeos do blogueiro bolsonarista Fernando Lisboa, que já foi alvo de mandados de busca e apreensão esta determinados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em um inquérito que investiga a organização de atos antidemocráticos. Embora tenha sido sinalizado como falso na página do blogueiro, o conteúdo foi replicado por outros perfis.

Na lista de maiores disseminadores da mensagem falsa no Facebook estão ainda o deputado federal Cabo Junio Amaral (PSL-MG) e os deputados estaduais do Rio Alana Passos (PSL) e Anderson Moraes (PSL). As postagens dos dois primeiros não estão mais no ar. Já a de Moraes recebeu do Facebook um selo de conteúdo falso.

Na postagem deletada, Amaral classificou a denúncia falsa como “gravíssima” e disse que aguardava mais detalhes sobre “a informação divulgada por alguns portais”. Já Alana Passos, ao fim da publicação em que cita a desinformação, compartilhou uma passagem bíblica frequentemente citada pelo presidente Jair Bolsonaro: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Os dois parlamentares fizeram montagens com suas fotos acompanhadas do conteúdo desmentido.

GRUPOS BOLSONARISTAS

A mensagem falsa foi também amplamente compartilhada em grupos no WhatsApp e no Telegram. Um levantamento do NetLab, laboratório dedicado a estudos de internet e redes sociais e vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ, identificou 488 mensagens com referências ao conteúdo falso em cem grupos bolsonaristas monitorados pelo laboratório. No Telegram, a fake news circulou em ao menos 70 grupos em 155 mensagens distintas. Um dos vídeos mais compartilhados é do canal bolsonarista no YouTube Em nome do Brasil. O conteúdo segue no ar e teve mais de 62 mil visualizações na plataforma de vídeo.

O GLOBO também identificou alta circulação da desinformação no grupo do Telegram “B-38”, que reúne 62 mil membros e se apresenta como “maior grupo de apoio a Bolsonaro no país”. Diversas mensagens foram compartilhadas afirmando que Adélio “abriu o bico e entregou o PT”.

No Twitter, a conta de Fernando Lisboa somou o maior número de curtidas e retuítes com a mensagem falsa, mais de 17 mil. As cinco maiores postagens na rede com a desinformação em engajamento seguiam no ar na tarde de ontem sem receber selos de mensagem falsa. O mesmo ocorreu com o tuíte da conta @AnonNovidades. O tema chegou a ficar entre os assuntos mais comentados da rede.