VALOR ECONÔMICO, n 5414, 11/01/2022. Opinião, A8
Por uma política para Ciência e Tecnologia
Rogério Cerqueira Leite
O Brasil insiste em recusar os exemplos bem sucedidos de outros países. Em nenhum país desenvolvido reitores e diretores de universidades são escolhidos pela corporação interna por sufrágio universal. Não conheço exemplo de universidade de sucesso que tenha Conselho Universitário tão volumoso e constituído, exclusivamente ou quase, por membros da corporação interna. As universidades brasileiras teriam muito a ganhar com a estabilidade somente adquirida para professores titulares. O atual sistema de progresso na carreira por concursos é obsoleto. Não é preciso dizer que essas mudanças encontrarão grande resistência. E que, portanto, deverão ser feitas com apoio de membros distinguidos da academia, e paulatinamente.
Tudo nasce de um equívoco conceitual. A sociedade através do Estado cria e mantém universidades e instituições de pesquisas porque reconhece a necessidade dessas instituições para a sua própria sobrevivência. Em nome da democracia e argumentos de que governantes no Brasil não estão amadurecidos para tomar decisões sobre a gestão da universidade propõem-se autonomia absoluta das universidades públicas.
Não será um Bolsonaro que derrotará a ciência, mas o corporativismo de pesquisadores e a conivência de autoridades.
Ora, democracia seria a sociedade decidir, e não a comunidade interna, e o representante do povo é o governo eleito democraticamente. Trata-se, portanto, de uma usurpação de direitos do povo. Com isso tentamos corrigir um erro com outro, o que impede a evolução de uma relação saudável entre governo e universidade.
Uma solução razoável para esse dilema foi encontrada pelas Organizações Sociais. Um terço dos representantes do conselho máximo dessas instituições é escolhido pelo governo, um terço pela sociedade civil através de suas instituições representativas, e o último terço pelo próprio conselho. Conselhos universitários, à semelhança do Congresso brasileiro, legislam em causa própria.
Que fique claro, entretanto, que esta proposta de mudança da gestão das universidades e instituições de pesquisas não é um ataque a essas instituições, mas antes uma tentativa de esclarecer suas deficiências e aumentar sua produtividade, para o bem do Brasil.
Os institutos de pesquisas no Brasil mostram um comportamento “sui generis”. Começam bem e acabam na obsolescência. Um exemplo magnífico de resistência foi dado pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), que recusou os benefícios da estabilidade tornando-se uma organização social. O Brasil não deve criar novas instituições de pesquisas senão na forma de organização social, fórmula em que não há estabilidade (estabilidade atrai aqueles que não têm confiança em sua própria competência). E promover a transformação de suas decadentes instituições de pesquisas em organizações sociais, a exemplo do que fez o Impa.
Outra tendência a ser extirpada é o distributivismo. O Brasil possui várias instituições na área nuclear, distribuídas “democraticamente”. Se tivesse concentrado seus investimentos em uma única entidade, nós teríamos hoje alguma competência em pesquisa e tecnologia nucleares.
É preciso resistir a forças políticas que lutam para levar novas instituições de pesquisas e faculdades para seus nichos eleitorais. A concentração de conhecimento permite uma troca constante de informações que são essenciais para a pesquisa e a inovação. O argumento recente de que a comunicação eletrônica hoje substitui a necessidade de convivência é falso. É como fazer sexo por WhatsApp e esperar que nasça um filhote. É preciso incentivar empresas nascentes de base tecnológica a se aproximarem física e operacionalmente a universidades e instituições de pesquisas. Um meio de conseguir esta aproximação é criar incubadoras nessas instituições. Essa é uma ideia antiga e parcialmente acolhida no Brasil, mas sem apoio substancial de governos.
Outra necessidade essencial é uma escolha de projetos realistas. O Brasil ainda está longe de poder investir em projetos só porque dispõem de um grupo competente. É preciso examinar a possibilidade de resultados positivos mesmo que se trate de ciência pura, mas essencialmente para pesquisa aplicada. Não há exemplo mais contundente do que o fracasso de um empreendimento para pesquisa e produção de “chips”, como aconteceu em Porto Alegre, criado por motivos políticos e com metas absolutamente inviáveis.
É preciso concentrar esforços nas áreas essenciais para o futuro do Brasil. É claro que uma decisão dessas exige uma discussão, não somente com cientistas, mas também com empresários e mesmo com participação de técnicos de instituições do exterior. Algumas opções são óbvias, como por exemplo, um laboratório que concentre pesquisas em virologia, pois tudo indica que diferentes vírus letais virão, um atrás de outro. E aqui será necessária muita vontade política para resistir às forças que propõem o distributivismo.
Também é óbvio que a pesquisa em novos materiais e nanotecnologia será essencial para o desenvolvimento da indústria brasileira. Técnicas digitais e energias alternativas, principalmente solar, também deveriam ser objeto de atenção especial de governos estaduais e federal. Mas é ingenuidade pensar que basta uma escolha de campos de atuação, por melhor que seja. É essencial a revisão dos meios, isto é, das entidades que realizarão as pesquisas e desenvolvimento.
Reconhecemos, todavia, que para realizar essas mudanças é fundamental a escolha de gestores “impiedosos”, que sejam impermeáveis ao corporativismo e às forças políticas. Enfim, como dizem os franceses, precisamos de algumas “ovelhas de cinco patas” e que sejam muito corajosas.
Não é um Bolsonaro da vida que derrotará a ciência no Brasil, nem o negativismo de seus capangas, mas sim o corporativismo de pesquisadores e a conivência de autoridades responsáveis.