O Estado de S. Paulo, n. 48100, 27/06/2025. Política, p. A10
Pesquisadoras veem brechas em decisão e defendem regulação pelo Congresso
Guilherme Caetano
Especialistas em internet e plataformas digitais ouvidos ontem pelo Estadão lamentaram que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha sido levado a fazer uma espécie de regulação das empresas e demonstraram preocupação com eventuais brechas na decisão. Eles, contudo, enalteceram avanços na mudança da legislação.
Yasmin Curzi, pesquisadora do Karsh Institute of Democracy da Universidade de Virgínia (EUA), criticou o fato de o STF julgar o Marco Civil da Internet sob o argumento de inércia legislativa. Isso porque o Congresso esteve prestes a votar um projeto de regulamentação das big techs, mas acabou por engavetá-lo. Para ela, a judicialização “não é o caminho ideal para definir políticas regulatórias complexas”.
Yasmin disse ser necessário reconhecer que, hoje, o artigo 19 do Marco Civil é insuficiente diante da atuação de plataformas que “promovem, impulsionam e lucram com conteúdos extremamente nocivos”. A responsabilização, afirmou ela, deve ser calibrada conforme o grau de intervenção e o impacto dessas empresas no discurso público.
O STF decidiu ontem que há uma presunção de responsabilidade das plataformas em determinado tipo de conteúdo, como publicação impulsionada e anúncio pago, uma vez que esse conteúdo passa pelo aval das próprias empresas.
“Ao mesmo tempo, compartilho de preocupações quanto ao risco de overblocking ( bloqueio excessivo ao acesso de um conteúdo). As plataformas farão um cálculo: vale mais a pena tirar conteúdos de ‘área cinzenta’ para não responder a processos caso esses conteúdos sejam notificados como ilícitos, ou vale mais a pena investir em melhorias nos sistemas de moderação de conteúdo?”, questionou ela.
A especialista disse que deveres de transparência seriam fundamentais para evitar isso. E ressaltou que a autocensura praticada pelos usuários por receio de punição e sanções – preocupação de alguns críticos – não tem comprovação, de acordo com suas pesquisas.
FISCALIZAÇÃO. A pesquisadora Bruna Santos, especialista em direitos digitais, também disse ver com preocupação o que chama de “brechas” deixadas pelo STF, embora tenha elogiado a Corte por acenar a uma posterior regulamentação por parte do Congresso.
Assim como Yasmin, ela vê o Legislativo como o Poder ideal para esse tipo de discussão, apesar de os próprios deputados terem se recusado a votar o tema. “Um dos pontos problemáticos da decisão, no fim das contas, é justamente a ausência de previsão de quem vai fazer a fiscalização do cumprimento dos deveres adicionais que ela impõe às plataformas.”
O advogado Omar Kaminski, que geriu o Observatório do Marco Civil da Internet e participou da criação da lei, endossou a preocupação do ministro do STF Edson Fachin com um possível risco de “censura colateral” na decisão.
“O risco é real. Com o endurecimento da responsabilização, há o risco de as plataformas removerem ampla e preventivamente mais conteúdos do que seria necessário, inclusive conteúdos lícitos, mas controversos, por receio de punições legais, reputacionais ou financeiras, criando-se uma situação de medo regulatório e censura indireta”, afirmou Kaminski. Ele considerou o voto de Fachin uma linha constitucional mais garantista, alinhada ao arcabouço da União Europeia