O GLOBO, n 32.337, 18/02/2022. Política, p. 7
Aras contraria PF e isenta Bolsonaro
Aguirre Talento e Mariana Muniz
PGR pediu arquivamento do inquérito sobre vazamento de dados sigilosos pelo presidente. Polícia viu crime ‘consciente’
O procurador-geral da República Augusto Aras contrariou relatório da Polícia Federal que acusava o presidente Jair Bolsonaro do crime de violação de sigilo funcional e pediu o arquivamento do caso, argumentando que não houve prática de delito por parte do presidente da República porque, segundo ele, os documentos vazados não estariam em sigilo. Aras vai enviar sua manifestação ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
O caso envolve a divulgação, por parte de Bolsonaro, de documentos de um inquérito da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O presidente divulgou a documentação durante uma live na qual fez ataques às urnas eletrônicas e também compartilhou o arquivo nas redes sociais, por meio de um auxiliar.
IMPUTAÇÃO DE CRIME
Esse foi o primeiro caso em que a PF imputou diretamente um crime a Jair Bolsonaro. Ao investigar o vazamento, a delegada Denisse Dias Ribeiro concluiu que Bolsonaro havia cometido o crime de violação de sigilo funcional porque, de acordo com seu relatório, a documentação divulgada pelo presidente era sigilosa. A delegada argumentou que um inquérito policial tem natureza sigilosa e só se torna público depois que existe uma decisão judicial retirando o seu sigilo. A conclusão foi enviada ao STF há duas semanas.
Na conclusão do relatório, a delegada escreveu que Bolsonaro, o deputado Filipe Barros (PSL) e o tenente coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens da Presidência, “revelaram fatos que tiveram conhecimento em razão do cargo e que deveria permanecer em segredo até conclusão das investigações, causando danos à administração pela vulnerabilização da confiança da sociedade no sistema eleitoral brasileiro e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tudo com a adesão voluntária e consciente do próprio mandatário da nação.”
Apesar de a PF ter apontado crimes no caso, quem tem a atribuição de apresentar uma denúncia contra o presidente da República ou pedir arquivamento é a Procuradoria-Geral da República (PGR). Caberá agora a Alexandre de Moraes despachar o pedido de arquivamento. A praxe no STF é que, no caso de arquivamento, o ministro siga o parecer da PGR.
Aras, entretanto, apresentou uma argumentação diferente da PF. O procurador-geral escreveu que o inquérito divulgado por Bolsonaro não era sigiloso, porque não constava no processo nenhuma decisão do juiz do caso decretando o sigilo. Por isso, na opinião da PGR, a conduta atribuída a Bolsonaro é atípica, ou seja, não configura crime.
No próprio arquivo vazado pelo presidente havia referências ao caráter sigiloso do processo. Na tramitação do sistema eletrônico da Justiça Federal do Distrito Federal existe um campo específico para identificar se o caso seria público ou sigiloso. Consta neste campo a seguinte informação: “Segredo de Justiça: Sim”. Isso porque todo inquérito policial, quando é protocolado na Justiça, automaticamente ganha o carimbo de sigiloso.
Para a PGR, entretanto, esse sigilo só estaria efetivamente caracterizado se o juiz do caso tivesse proferido um despacho nesse sentido.
Bolsonaro usou a investigação sobre o ataque hacker para lançar dúvidas na confiabilidade das urnas eletrônicas.