O GLOBO, n 32.337, 18/02/2022. Mundo, p. 17
Na Hungria, Bolsonaro nega destruição da Amazônia
André de Souza
Ao lado do premier ultranacionalista Viktor Orbán, ameaçado de punição pela União Europeia por violações ao Estado de direito, presidente chama país europeu de “pequeno grande irmão” e diz defender “Deus, pátria, família e liberdade'
Em visita à Hungria ontem, o presidente Jair Bolsonaro negou que haja destruição da Amazônia, mesmo com dados oficiais apontando o aumento do desmatamento da região em seu governo. Ao lado do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, ele chamou o país europeu de “pequeno grande irmão” e destacou os “valores” que ambos compartilham. Orbán é um dos principais expoentes da direita ultranacionalista europeia, e seu governo corre o risco de sofrer punições da União Europeia (UE) por medidas que corroeram as instituições democráticas da Hungria.
ORBÁN CONTRA IMIGRAÇÃO
Bolsonaro, que foi de Moscou diretamente para Budapeste, disse que ele e Orbán estão afinados em “praticamente todos os aspectos ”, com a possibilidade de ampliação das relações comerciais entre os dois países.
— É uma satisfação muito grande a gente estar na Hungria. Considero seu país o nosso pequeno grande irmão. Pequeno se consideramos nossas diferenças pelas extensões territoriais. E grande pelos valores que nós representamos, que podem ser resumidos em quatro palavras: Deus, pátria, família e liberdade. Comungamos também da defesa da família com muita ênfase. Uma família bem estruturada faz com que a sua respectiva sociedade seja sadia. E não devemos perder esse foco — disse Bolsonaro em declaração conjunta à imprensa.
Orbán aproveitou para voltar a falar de imigração, da qual é um notório opositor, e defendeu o que chamou de família tradicional.
— Eu gostaria de esclarecer que, em nível europeu, estamos pedindo que haja leis mais severas. No mundo, em qualquer âmbito, se fizerem algum documento sobre imigração com que a gente não concorde, o Brasil vai nos ajudar a reagir e trabalharemos juntos. Os cristãos são a religião mais perseguida no mundo. Em primeiro lugar, a União Europeia faz muito pouca coisa para proteger o cristianismo, os [cristãos] que moram na África. Às minorias cristãs, vamos mandar ajuda — disse o premier, segundo a tradução feita pelo canal GloboNews.
Orbán se referiu ao referendo convocado por seu partido, o Fidesz (União Cívica Húngara), em que os húngaros dirão se apoiam uma lei que rege a divulgaçãodeconteúdossexuais para menores e foi considerada homofóbica pela oposição e pela UE, mas que o governo defende como medida de “proteção às crianças”.
— O mundo quer aprovar como família aquilo que a gente pensa que é família. A mãe que é mãe é uma mulher. O pai é homem. Isso tem a ver com a tradição, e gostaríamos de manter isso. É um país democrático. Por isso é um desafio, mas vai haver uma escolha para proteger as crianças —disse.
FÓRUM CONTRA ABORTO
Desde que chegou ao poder, em 2010, com ampla maioria parlamentar, Orbán adotou iniciativas que mudaram as leis eleitorais para beneficiar seu partido, reduziram a independência do Judiciário e discriminam a população LGBT+, incluindo a proibição do casamento homossexual. Ele, assim como o governo ultranacionalista da Polônia, está na mira da Comissão Europeia, que ameaça cortar fundos da UE para a Hungria em represália a violações do Estado de direito.
A cada dois anos, Orbán realiza em Budapeste uma Cúpula Demográfica, evento no qual promove medidas de incentivo à natalidade e apregoa os supostos riscos que a imigração representaria para a identidade cristã da Hungria. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, esteve no evento em 2019. O premier enfrentará eleições gerais em 3 de abril, em que pela primeira vez a oposição se uniu em uma frente única. O referendo será realizado na mesma data.
Assim como o Brasil e a Rússia de Vladimir Putin, a Hungria pertence ao fórum chamado Consenso de Genebra, formado por iniciativa do ex-presidente americano Donald Trump, e do qual o atual presidente, Joe Biden, retirou os EUA. O grupo é formado por 36 países que se posicionam em fóruns internacionais contra resoluções e programas relacionados à saúde reprodutiva da mulher e aos direitos sexuais, alegando que eles abririam caminho à descriminalização ou à legalização do aborto.
Antes de Orbán, Bolsonaro se reuniu com o presidente János Áder, também do Fidesz. Segundo o brasileiro, os dois conversaram sobre meio ambiente e Amazônia. Dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados em dezembro, mostraram que o desmatamento na região atingiu em abril passado o pior índice para o mês já registrado na série histórica desde 2015. Na Hungria, Bolsonaro associou as críticas à sua política ambiental a uma tentativa de prejudicar o agronegócio brasileiro.
— Muitas vezes, as informações sobre essa região chegam fora do Brasil bastante distorcidas, como se fôssemos os grandes vilões no que se leva em conta a preservação da floresta e sua destruição, coisa que não existe —afirmou Bolsonaro. — Então, essa desinformação passa para ataque à nossa economia, que vem em grande parte do agronegócio
CRISE ENTRE RÚSSIA E UCRÂNIA
Ao lado de Orbán, Bolsonaro comentou a passagem pela Rússia. O premier, que é próximo de Putin e esteve em Moscou na semana passada, destacou que a Hungria está tentando evitar uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia e afirmou que todos os esforços, inclusive do Brasil, são bem-vindos.
Orbán disse que há 2.500 alunos brasileiros na Hungria com bolsas de estudo e destacou os laços comerciais e econômicos com o Brasil. Também foram assinados três memorando de entendimento, para cooperação em defesa, em gestão de recursos hídricos e saneamento, e em questões humanitárias.
“Muitas vezes, as informações sobre essa região [Amazônia] chegam fora do Brasil bastante distorcidas, como se fôssemos os grandes vilões na (...) preservação da floresta e sua destruição, coisa que não existe”
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil “O mundo quer aprovar como família aquilo que a gente pensa que é família. A mãe que é mãe é uma mulher. O pai é homem” Viktor Orbán, premier húngaro