O Estado de S. Paulo, n. 48102, 29/06/2025. Política, p. A7

Terceiro mandato de Lula tem a coalizão mais infiel em 30 anos
Hugo Henud

 

No atual mandato de Lula, 72% dos votos de deputados de partidos com ministérios foram favoráveis ao Planalto nas votações de interesse do governo na Câmara. É a base mais infiel em 30 anos e só empata com o segundo mandato de Dilma Rousseff, no auge da crise do impeachment, informa Hugo Henud. A derrubada do decreto do IOF foi apoiada por legendas como União Brasil, MDB, PSD, Republicanos, PP, PDT e PSB. Juntas, elas controlam 12 ministérios. Para cientistas políticos ouvidos pelo Estadão, o baixo desempenho da base reflete fatores como o fortalecimento da direita no Congresso e o empoderamento do Legislativo. Parlamentares apontam falhas na articulação política.

92% Foi o índice de fidelidade da base de Lula no 2º mandato

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva registra a base mais infiel das últimas três décadas: apenas 72% dos votos de deputados de partidos com ministérios foram favoráveis ao Planalto nas votações de interesse do governo na Câmara dos Deputados. A fragilidade da coalizão ajuda a explicar uma sequência de derrotas recentes, como a aprovação do projeto que derrubou o decreto do IOF – medida apoiada por legendas como União Brasil, MDB, PSD, Republicanos, PP, PDT e PSB, que juntas controlam doze ministérios.

As dificuldades ganham ainda mais peso neste ano pré-eleitoral, quando o presidente petista precisa consolidar maiorias para aprovar pautas estratégicas de olho na disputa presidencial de 2026.

Levantamento feito pelo Estadão, com base em dados da própria Câmara, analisou todas as votações nominais em que houve orientação oficial do Planalto, ou seja, ocasiões em que o governo indicou expressamente como esperava que sua base votasse. Nesse recorte, o desempenho da coalizão ministerial

Reação governista Vice-líder diz que há tempo para presidente reverter cenário instável e minimiza queda de popularidade

em Lula 3 é o pior desde 1995, empatando apenas com o segundo mandato de Dilma Rousseff, que registrou 72% no auge da crise do impeachment.

Presidentes anteriores tiveram índices mais altos: Fernando Henrique Cardoso, 95% no primeiro mandato e 93% no segundo; Lula 1, 91%, e Lula 2, 92%; Dilma 1, 81%; Michel Temer, 93%; e Jair Bolsonaro, 90%.

A última leva de derrotas incluiu a aprovação do projeto que suspende o decreto do governo sobre o IOF, com 63% dos votos favoráveis de deputados de partidos que hoje comandam ministérios, como União Brasil, PSD, MDB, PP, Republicanos, PDT e PSB. O movimento ganhou força após o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pautar o tema em votação surpresa – o que resultou em uma reação rara na história do Congresso: em 40 anos, apenas dois decretos presidenciais haviam sido derrubados.

Para cientistas políticos ouvidos pelo Estadão, essa derrota expressiva e o baixo desempenho da base refletem fatores tanto conjunturais quanto estruturais, como o fortalecimento da maioria de direita no Congresso e o empoderamento do Legislativo após a consolidação das emendas parlamentares, mudando a lógica de negociação com o Executivo.

FALHAS. Parlamentares aliados, por sua vez, apontam falhas na articulação política, como a resistência de Lula em se envolver diretamente nas conversas, a falta de diálogo com o Palácio do Planalto e a demora na liberação de emendas.

Na avaliação do deputado Mário Heringer, líder do PDT na Câmara – partido que comanda o Ministério da Previdência –, o presidente se afastou das relações com o Parlamento neste mandato. “É o período em que Lula está mais distante do Legislativo de verdade”, diz, alegando que isso contribuiu para uma série de derrotas no Congresso. Como mostrou o Estadão, Lula é o presidente que menos se reuniu com congressistas em agendas oficiais desde Dilma.

Outra reclamação frequente entre deputados, afirma ele, é a concentração dos principais ministérios no núcleo duro do PT, apesar de Lula ter vencido em 2022 com o discurso de frente ampla. “Comparativamente, sem dúvida, esse é o mandato em que menos alterações foram feitas pelo Lula. Há muito tempo criticamos o que, na nossa opinião, é uma má distribuição dos espaços no governo.”

O Estadão apurou que a insatisfação já estava presente desde 2023, quando parlamentares passaram a se queixar do distanciamento e da falta de disposição do presidente em recebêlos no Planalto.

Um influente deputado do PSD, sigla que comanda três ministérios, relata que Lula tem ignorado os apelos da bancada por pastas com maior relevância. Segundo ele, os parlamentares vêm cobrando espaços mais estratégicos na Esplanada. Um dos focos de insatisfação é o Ministério da Pesca, chefiado por André de Paula. O parlamentar diz que a sigla já vinha pedindo uma pasta “com mais visibilidade dentro do Palácio” e que não vê mais “timing” para uma reforma. Além da Pesca, o PSD de Gilberto Kassab contro

“É o período em que Lula está mais distante do Legislativo de verdade”

Mário Heringer

Líder do PDT na Câmara, cujo partido comanda o Ministério da Previdência

la as pastas da Agricultura e Pecuária e de Minas e Energia.

Com a queda de popularidade de Lula nas pesquisas, o mesmo deputado avalia que a fatura política para apoiar o Planalto tende a subir, enquanto as chances de o partido endossar sua candidatura à reeleição diminuem.

‘PONTAS SOLTAS’. Na contramão do discurso entre os aliados, o deputado Zé Neto (PTBA), vice-líder do governo na Câmara, minimiza o impacto da queda de popularidade e alega que ainda há tempo para o Planalto reverter o cenário de instabilidade. Ele diz que é hora de distensionar a relação entre Executivo e Congresso, e avalia que o governo precisa reunir os partidos com ministérios para “baixar a temperatura” e resolver o que descreve como “pontas soltas” da articulação política.

Uma das pontas soltas mais citadas por parlamentares diz respeito às novas regras para liberação de emendas, impostas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, que vêm atrasando o pagamento dos recursos. Uma liderança resumiu a insatisfação dizendo que, “de cada três palavras no Congresso, duas são emendas”. Ela ainda aponta um “jogo casado” entre o STF e o governo para retirar do Congresso o controle sobre o Orçamento. Ex-ministro da Justiça e indicado à Corte por Lula, Dino é visto como alinhado a interesses do Planalto.

O desgaste tem sido explorado pela oposição. Para o líder do PL na Câmara, deputado Zucco, o baixo índice de apoio da própria base revela o isolamento do presidente e a perda de sustentação. “( Lula) foi eleito com discurso de reconstrução, mas entrega uma agenda tóxica de aumento de impostos e confronto com o Congresso.”

Zucco acusa o governo de tentar transferir a responsabilidade por medidas impopulares, como a derrubada dos vetos de Lula a benefícios ao setor elétrico, elevando a conta de luz. Segundo ele, o Planalto tenta colar nos parlamentares a pecha de gastadores e preocupados apenas com a liberação de emendas.

IDEOLOGIZAÇÃO. Para Vinícius Alves, professor de ciência política do IDP, o próprio PL, que possui a maior bancada da Câmara, simboliza o ambiente de crescente ideologização da Casa, traço de partidos do Centrão que integram a base do governo.

Esse cenário dificulta a formação de consensos e eleva os custos políticos para que essas legendas votem com o Planalto, mesmo ocupando cargos no primeiro escalão. “Partidos de direita, mesmo quando no governo, frequentemente antecipam os custos políticos de apoiar uma gestão distante de seu espectro ideológico, o que compromete a coesão da base”, afirma, destacando que a coalizão de Lula é hoje formada sobretudo por siglas de centro-direita e direita, como Republicanos, PP, União Brasil, MDB e PSD.

As cinco legendas, que somam quase metade da Câmara com 240 deputados, foram decisivas em uma série de reveses para o Planalto. Entre os episódios mais emblemáticos estão a instalação da CPI do INSS, o apoio à urgência para o projeto de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro, a derrubada do veto às “saidinhas” temporárias de presos, além da aprovação do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Esses partidos já ensaiam movimentos de oposição para 2026, com possíveis pré-candidatos à Presidência, como os governadores Ratinho Junior (PSD) e Tarcísio de Freitas (Republicanos).