O Estado de S. Paulo, n. 48102, 29/06/2025. Política, p. A8
Emendas e fragmentação de apoio partidário dificultaram base coesa
Hugo Henud
A infidelidade da base parlamentar do governo Lula – a maior das últimas três décadas na Câmara dos Deputados, como mostrou o Estadão – não se explica apenas por fatores conjunturais, como o menor envolvimento do presidente nas negociações e o perfil centralizador que desagrada aliados. Segundo especialistas, as dificuldades de articulação também resultam de mudanças estruturais nas relações entre Executivo e Legislativo, intensificadas com o avanço das emendas parlamentares e a redistribuição de poder no Congresso.
Para o professor de ciência política do Insper, Leandro Consentino, as duas principais moedas de troca utilizadas por presidentes para manter a base coesa já não produzem o mesmo efeito. As emendas, que antes eram liberadas caso a caso e frequentemente condicionadas ao apoio em votações estratégicas, hoje são majoritariamente de execução obrigatória. “Isso reduziu o poder de barganha do Planalto e ampliou a autonomia de partidos e parlamentares, inclusive os que integram formalmente a base”, explica.
MINISTÉRIOS. Ao mesmo tempo, os ministérios perderam relevância como ativo político. Boa parte do orçamento que antes era gerido diretamente pelas pastas agora está carimbado para atender emendas parlamentares, reduzindo a autonomia dos ministros sobre os recursos. “Com menos margem para executar políticas públicas próprias, os cargos de primeiro escalão perderam poder de negociação com o Congresso”, ressalta Consentino.
Como revelou o Estadão, as emendas consumiram, em 2025, o equivalente ao orçamento de 30 ministérios, o que tornou mais vantajoso ser um líder partidário na Câmara. Foi o caso do deputado Pedro Lucas Fernandes (União Brasil-MA), que, no fim de abril, recusou o convite de Lula para assumir o Ministério das Comunicações.
ADESÃO FRAGMENTADA. A decisão do parlamentar ilustra uma nova forma de adesão fragmentada ao governo, explica o pesquisador de ciência política da USP Pedro Assis. No caso do União Brasil, por exemplo, a aproximação com o Planalto se deu por meio de setores específicos da bancada, como o grupo ligado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sem o aval da direção nacional, comandada por Antonio Rueda.
Assis pontua que essa lógica se repetiu em outras siglas de centro-direita com ministérios no governo Lula 3. Ele avalia que, ao entrarem no governo via alas minoritárias e sem o respaldo da direção partidária, as legendas deixam de assumir um compromisso institucional. “A ocupação de cargos não se converte, necessariamente, em apoio no Congresso. Ter um ministério não significa mais, necessariamente, estar no governo.”
Diante da perda das principais moedas de troca, o pesquisador avalia que a popularidade do presidente era um dos últimos trunfos para manter a base coesa. Mas até esse recurso se esgotou. Na última pesquisa Datafolha, Lula registrou 28% de aprovação e 40% de reprovação – um dos piores índices em seus três mandatos.
PRESSA. Com a avaliação em baixa, o Planalto agora corre para aprovar projetos que possam melhorar a imagem do governo antes das eleições presidenciais de 2026. Entre as principais apostas estão a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, a PEC da Segurança Pública, a isenção na conta de luz, a regulamentação dos trabalhadores de aplicativos e o programa Gás para Todos, que amplia o vale-gás para 22 milhões de famílias. Essas propostas, porém, enfrentam resistência no Congresso.
“A ocupação de cargos não se converte, necessariamente, em apoio no Congresso. Ter um ministério não significa mais estar no governo”
Pedro Assis
Pesquisador da USP
“Ficou mais difícil, mas aprovar essas medidas é fundamental para as pretensões eleitorais de Lula em 2026”, diz Assis.
Apesar das dificuldades, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP) acredita que há espaço para avançar nessas pautas. E avalia que a derrota do IOF serviu para arregimentar a base que seguirá com Lula no pleito do ano que vem.
Para Tatto, embora seja necessário baixar a temperatura e evitar confronto direto com os presidentes da Câmara e do Senado, Lula deverá chamar as lideranças da base para conversar e demandar maior comprometimento. “O presidente irá cobrar entregas (votos na Casa).”