Correio Braziliense, n. 22700, 15/05/2025. Economia, p. 7
Apagão omite dados sobre a fila do INSS
Rafaela Gonçalves
Fernanda Strickland
O Instituto Nacional do Seguro (INSS) deixou de divulgar mensalmente os dados sobre a fila de pedidos de benefícios previdenciários e assistenciais, provocando um apagão nos dados sobre brasileiros que aguardam atendimento. O último Boletim Estatístico da Previdência (Beps) foi publicado em dezembro de 2024. À época, somando todas as filas de reconhecimento inicial de direitos, eram 2,043 milhões de pessoas à espera da liberação de algum benefício.
A falta de transparência acontece em meio aos escândalos de fraude e descontos indevidos de entidades associativas em contracheques. A fila do INSS refere-se ao tempo de espera para análise e concessão de benefícios previdenciários, como aposentadorias, auxílios-doença e pensões. A demora na análise traz dificuldades financeiras para quem depende deles.
O recorde de espera na fila do INSS foi registrado em julho de 2019, quando chegou a 2.442.816 pessoas. Sem a atualização dos dados, há estimativas de que agora esse número já possa ter ultrapassado 2,5 milhões de pedidos.
Procurado pelo Correio, o Ministério da Previdência não deu uma explicação sobre o motivo do atraso na divulgação, tampouco uma previsão sobre a atualização dos dados. "Os dados estão sendo consolidados e serão divulgados o mais brevemente possível", informou a pasta, em uma breve nota.
O Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi) também evitou repercutir o assunto. "Não vamos comentar enquanto não houver informações mais claras. Em princípio, é importante que o processo de concessão de benefícios seja o mais ágil possível", afirmou a entidade.
A operação da Polícia Federal (PF), que identificou o esquema fraudulento que aplicou R$ 6,3 bilhões em descontos associativos indevidos entre 2019 e 2024, apontou que o esquema impactou diretamente no andamento da fila para atender a quem aguarda o benefício. Em relatório consta o tópico "Impacto negativo na fila de requerimentos do INSS" e indica que a espera foi impactada direta e negativamente pela inclusão fraudulenta de descontos associativos.
De acordo com o relatório, a fila voltou a crescer em 2024, concomitantemente ao esquema de fraude. Tanto que no início do mês o governo editou uma (MP) para retomar o bônus para peritos para combater filas.
Em julho de 2023, o Executivo relançou o pagamento de bônus de produtividade para servidores e peritos, autorizou a realocação emergencial de pessoal. Resultados rápidos foram colhidos, o tempo médio de espera por concessão de benefícios caiu de 76 dias, em janeiro, para 34 dias em julho de 2024, mas o alívio durou pouco. A partir de agosto, a fila voltou a crescer, atingindo 39 dias de espera em novembro.
Considerado um problema crônico, o longo tempo de espera para análise e concessão de benefícios foi alvo, inclusive, de uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que era de zerar a fila. O Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência (PEFPS), visava reduzir o tempo de análise de processos e perícias médicas, prevendo bônus para servidores que realizarem trabalho extra para agilizar os processos e perícias, além de outras medidas como o uso de telemedicina em determinados.
Contudo, a estratégia se mostrou ineficaz, conforme destacou o especialista em direito previdenciário Washington Barbosa, CEO da WB Cursos. "Os peritos têm uma meta de trabalho durante o dia. O que fizerem além dessa meta, ganham um valor adicional por cada processo ou perícia que faz além disso. Isso incentiva, sim, e melhora um pouco a produção. Mas temos de ter cuidado com alguns aspectos", alertou.
O regime geral de previdência determina que o benefício tem que ser concedido em até 45 dias, o que não acontece há muitos anos, conforme observou o advogado. "Os prazos chegaram a oscilar entre 60 e 180 dias. Foi feito um acordo entre o Supremo Tribunal Federal, Advocacia Geral da União e o INSS, exatamente para estabelecer prazos. E esses prazos foram todos maiores que os 45 dias. Esse acordo está valendo, mas, pelo que eu sei, não está sendo cumprido. Isso é outra coisa que não tem sido dada em transparência", apontou Barbosa.
Greve
Apesar do bônus para os peritos, a Federação Nacional de Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência (Fenasps), entidade que representa a categoria, afirmou que o programa tinha "metas inatingíveis e condições de trabalho cada vez mais precárias". O movimento resultou em uma greve dos trabalhadores do órgão entre julho e novembro de 2024 e a paralisação dos médicos peritos desde outubro.
A falta de pessoal e a ausência de uma reestruturação de carreira são os maiores problemas apontados pelos servidores. Atualmente, o INSS opera com cerca de 19 mil servidores — menos da metade do efetivo de sete anos atrás.
A greve dos peritos, que durou 235 dias, foi encerrada em abril deste ano, marcando a maior paralisação da história da categoria. De acordo com a Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais (ANMP), o pacto firmado ainda não correspondia à expectativa dos trabalhadores, mas "garante a estabilização do conflito classista e a segurança dos peritos".
O acordo estabelecido com o Ministério da Previdência estabeleceu que os profissionais deveriam repor os dias não trabalhados e teriam os salários descontados restituídos. "O modelo ideal de carreira ainda não é uma realidade, mas continuaremos lutando até o fim pela valorização, pelo respeito e pela dignidade que merecemos", informou a ANMP em nota.
Frase
“Não vamos comentar enquanto não houver informações mais claras (sobre o atraso na divulgação dos dados da fila). Em princípio, é importante que o processo de concessão de benefícios seja o mais ágil possível”
Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), em nota ao Correio