VALOR ECONÔMICO, n 5415, 12/01/2022, Opinião, A12
Com demanda fraca, queda da inflação depende do dólar
A pandemia sincronizou os ciclos econômicos ao redor do globo e, em menor grau, os impulsos inflacionários. Ainda que com pesos e dinâmicas diferentes, os motivos que levaram o IPCA no Brasil a atingir 10,06% em 2021 são basicamente os mesmos que levaram o CPI a 6,8% (novembro) nos Estados Unidos e o HICP a 4,9% na zona do euro. São eles: aumento vertiginoso de commodities, em especial petróleo, distúrbios nas cadeias de produção, com a demanda se deslocando para bens e recuperação dos serviços, com a maior mobilidade propiciada pela vacinação em massa. No caso brasileiro a inflação foi mais longe não só pelo resquício persistente de indexação da economia, mas, principalmente, pelo movimento altista do dólar que, pela lógica de situações semelhantes do passado, deveria cair.
Os índices de difusão não deixam dúvidas de que o cerne original de propagação dos preços - valorização das commodities alimentícias, energéticas e minerais em dólar - se disseminou pelos demais bens. Em dezembro, 75% dos itens coletados para o cálculo do IPCA tiveram aumento. No entanto, apenas a variação de preços de seis deles (etanol, gasolina, gás de botijão, energia elétrica, automóveis novos e usados) somou 4,29 pontos percentuais do IPCA. A disparada dos combustíveis se alastrou pela economia, porque é um insumo básico que influi nos custos de todos os produtos e serviços.
Por grupos, a influência desses itens no índice cheio foi ainda maior em 2021. Transportes, habitação (puxada por energia elétrica e gás) e alimentos contribuiram com 7,92 pontos percentuais dos 10,06% do resultado final. Essas constatações não diminuem o tamanho da encrenca inflacionária em 2021, a maior desde 2016 e a terceira mais alta do século. Mas sugerem limites para as intervenções convencionais da política monetária e para as condições de reversão dos preços. Na zona do euro, a inflação, sem energia e commodities agrícolas, representam metade do índice cheio, de 4,9%. Nos EUA, sem os mesmos itens, a inflação seria de 4,9% e não 6,8%.
Realidades específicas do Brasil jogaram o índice mais para cima no curto prazo. O setor de serviços começou a se recuperar mais tarde, dado o atraso inicial na vacinação. Em dezembro, a variação de seus preços quase triplicou (de 0,27% para 0,79%) e no ano atingiu 4,75% - ainda assim abaixo da média de evolução dos preços. A inflação subjacente de serviços avançou de 5,45% para 5,91%, segundo a consultoria MCM. A falta de matérias primas, peças e componentes fez com que bens industriais subissem 12% no ano, bem acima dos 4,52% em 2020, durante a pandemia.
Com o ritmo forte de alta dos juros, a inflação cairá em 2022, mas a intensidade e a velocidade são incógnitas. Para a baixa contam a queda da atividade da indústria, do comércio, que retirarão a pressão dos bens industriais. Haverá recuo também na inflação de serviços, setor castigado pela perda de renda e, agora, pela rápida propagação da nova variante ômicron. O ritmo geral da economia amortecerá o IPCA, com a conjugação de menor atividade, renda em queda (exceto para os que dependem dos programas sociais do governo), desemprego alto e menor oferta de crédito.
Os preços de energia residencial subirão menos, a julgar pelas previsões de um início de ano chuvoso. Os preços do petróleo e derivados, apesar da previsível volatilidade, podem mitigar a inflação, pois ainda que haja espaço para altas é difícil que elas ocorram muito além do pico alcançado em 2021. Mesmo assim, derrubar o IPCA abaixo de 5% parece uma proeza difícil de alcançar, a menos que o real se valorize ou as cotações do dólar estabilizem.
Quase metade da inflação é efeito do dólar que se valorizou quando normalmente tomaria o rumo contrário. Mas o cenário não é favorável ao real e a desinflação pode ser mais lenta do que poderia. Os juros nos Estados Unidos devem subir mais do que o previsto, dando sustentação à moeda americana. Estripulias fiscais do governo Bolsonaro parecem ter criado um piso para o recuo do dólar. Eleições em que o favorito é um candidato da esquerda também não são propícias a um comportamento comedido do câmbio.
Com os principais itens de pressão inflacionária fora do alcance da política monetária, o Banco Central talvez não precise ir além do que se espera com a Selic (11,75%). No curto prazo, o jogo está definido. Janeiro é mês típico de pressão nos índices e o IPCA em doze meses até fevereiro ainda estará perto dos 10%. Depois, com a economia rastejando, a inflação dependerá dos humores do dólar.