VALOR ECONÔMICO, n 5416, 13/01/2022, Brasil, A6

Governo discute tratar pandemia como endemia

Murillo Camarotto

 

Com cautela, o Ministério da Saúde começou a discutir os cenários de um possível rebaixamento da pandemia da covid-19 à condição de endemia. Alguns países, como a Espanha, já anunciaram o início deste debate.

Diferentemente da pandemia, de caráter global e descontrolado, a endemia costuma ter causas e atuação mais localizada, se manifesta com frequência em determinada região, mas com um número de casos que obedece a um padrão relativamente estável.

Na última terça-feira, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, falou sobre a possibilidade de a covid-19 passar a ser tratada no país europeu como uma gripe comum. De acordo com ele, os primeiros estudos começaram há algumas semanas e estão sendo tocados com precaução.

No Brasil, o tema é tratado pela área técnica do Ministério da Saúde com um “otimismo cauteloso”. “Acreditamos que a variante ômicron será importante para isso [classificação de endemia], mas não podemos baixar a guarda”, afirmou uma fonte do primeiro escalão da pasta.

A expectativa é que, com o elevado índice de vacinação da população, associado ao distanciamento social e ao uso de máscaras, o país possa atravessar o período mais crítico sem uma piora significativa dos números de hospitalizações e mortes.

“Nos outros países, ela [onda mais crítica da variante ômicron] durou, no máximo, 40 dias e começou a cair”, disse a mesma fonte. “O que nos preocupa no momento é a concomitância com a influenza e as outras arboviroses, como dengue”, completou.

A hipótese de que a ômicron possa representar o declínio da pandemia é um dos cenários avaliados por epidemiologistas, mas não o único. Isso porque o vírus ainda pode sofrer muitas mutações e, eventualmente, tornar a doença mais ou menos grave. Um risco apontado por especialistas é a sobrecarga do sistema de saúde.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro minimizou os efeitos da proliferação da nova cepa e chegou a dizer que ela é “bem-vinda”. Ele alegou que a ômicron “não tem matado ninguém” e que o registro de um óbito em Goiás, já confirmado como decorrência de infecção pela variante, seria de uma pessoa que já tinha “problemas seríssimos” de saúde.

Após anunciar mudanças nas regras da quarentena para pacientes com quadro leve ou moderado de covid-19, o governo deve divulgar hoje as notas técnicas que tratam do período de afastamento dos trabalhadores acometidos pela doença. Segundo apurou o Valor, a tendência é que o período para o retorno ao trabalho seja reduzido de 14 para 7 dias.

O assunto foi debatido na segunda-feira passada entre representantes dos ministérios da Saúde, Trabalho e Agricultura. No mesmo dia, a Saúde anunciou a redução do período de quarentena para pessoas com quadros leve e moderado de covid-19.

A ideia é que as regras de afastamento de trabalhadores sigam os mesmos critérios, de sete dias de isolamento. Ainda não está definido, entretanto, se será aberta a possibilidade de realização de um teste diagnóstico após o quinto dia. Para casos leves, se esse teste der negativo, o isolamento poderá ser encerrado.

Em junho de 2020, duas portarias interministeriais definiram 14 dias para o afastamento do trabalho. A decisão final vai depender de um acerto entre os ministérios envolvidos e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O Valor procurou a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) para comentar a decisão do ministério de reduzir o tempo de afastamento, mas ontem não havia ninguém disponível na entidade para responder.