Correio Braziliense, n. 22702, 17/05/2025. Política, p. 2
Governo dividido sobre riscos da CPI
Victor Correia
Wal Lima
Israel Medeiros
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu ministros, ontem, no Palácio da Alvorada, para discutir a instalação de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI), no Senado, destinada a investigar o esquema de fraudes em benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A abertura da apuração vem ganhando tração e apoio mesmo de parlamentares da base de Lula, que querem se adiantar às investidas da oposição e controlar a narrativa em torno do tema. A articulação política do governo, no entanto, ainda resiste à criação da CPMI, ao avaliar que a instalação pode abrir uma nova frente na crise já criada pelo escândalo do INSS.
Participaram do encontro os ministros Rui Costa (Casa Civil), Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) e Sidônio Palmeira (Secretaria de Comunicação Social). Compareceram, ainda, o ministro da Previdência, Wolney Queiroz, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
O pedido de criação da CPMI foi apresentado durante a semana pela oposição, com 260 assinaturas de senadores e deputados. A abertura depende do presidente do Senado, DaviAlcolumbre (União-AP), que deve ler o requerimento na próxima sessão conjunta do Congresso, marcada para 27 de maio.
Popularidade
Lula e ministros do governo são contra a comissão, que representa um risco de desgaste político para uma gestão que já enfrenta crise de popularidade e ainda corre para dar uma resposta adequada às vítimas da fraude no INSS.
Depois da reunião, Gleisi se manifestou nas redes sociais, resumindo a visão do Executivo. “Uma CPMI, no ambiente de exploração política em que está sendo proposta, pode comprometer o sucesso da investigação policial, que deve permanecer protegida de interferências externas e do vazamento de informações”, escreveu a ministra. “Também pode atrasar o ressarcimento das vítimas, já que sua duração está prevista para seis meses, impactando nas medidas já em curso”, acrescentou, sem esclarecer como os trabalhos da CPMI interfeririam nesse processo.
Gleisi admitiu que as CPIs são prerrogativa do Poder Legislativo, mas alfinetou a gestão Bolsonaro ao dizer que são instrumentos importantes em governos que “não investigam ou acobertam desvios e corrupção”, citando a CPI da Covid-19, que revelou irregularidades na compra de vacinas, além da estratégia de imunidade de rebanho adotada pela gestão do então presidente — o Brasil registrou mais de 700 mil mortos pela doença.
A ministra enfatizou ainda que a prioridade do governo é continuar com as investigações, punir os responsáveis e ressarcir os aposentados vítimas dos descontos ilegais. Outra preocupação do Executivo é evitar contrariar a opinião pública, já que pesquisas recentes mostraram que parte da população apoia as investigações do escândalo do INSS e a punição dos envolvidos. Além da possibilidade de aumento da desconfiança contra o governo, o Planalto não pode se dar ao luxo de se posicionar contra a CPMI às vésperas de sua instalação. A derrota política ficaria escancarada.
Controle
Adiar a sessão conjunta do Congresso é uma possibilidade, se Alcolumbre aceitar, mas há um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a abertura de uma CPMI é obrigatória se o requerimento obtiver um terço dos votos dos membros de cada Casa. A principal estratégia da base governista agora é controlar os postos mais importantes dentro da CPMI, principalmente a presidência e a relatoria — o que será difícil, já que os responsáveis pela articulação política seguem contra a instalação da comissão —, além de tentar isolar opositores mais radicais e com maior visibilidade nas redes, como Nikolas Ferreira (PL-MG).
O objetivo durante as investigações será reforçar que as fraudes começaram em larga escala no governo de Jair Bolsonaro, e apontar que a gestão anterior não investigou o esquema, como o atual governo fez.
Apesar de a grande maioria dos opositores apoiar a comissão, alguns demonstram preocupação com a possibilidade de a crise atingir Bolsonaro também. Afinal, o esquema ilegal remonta ao início da gestão passada, e a maioria das 12 entidades investigadas foram criadas após 2019.
Entenda o caso
Após denúncias, a Controladoria Geral da União (CGU) iniciou uma apuração sobre possíveis fraudes no instituto, entrevistando quase 1.300 aposentados, em todo o país, que tiveram descontos. O resultado mostrou que, em média, 97% dos beneficiários não tinham dado consentimento para a medida.
Foram feitas auditorias em 29 entidades que tinham Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS. A CGU identificou falta de estrutura operacional para prestar os serviços que ofereciam aos beneficiários.
O órgão também verificou que “70% das 29 entidades analisadas não entregaram a documentação completa ao INSS”.
Os descontos começaram em 2016, mas cresceram substancialmente em 2023 e 2024, segundo as investigações. Entidades de classe, como associações e sindicatos, formalizavam Acordos de Cooperação Técnica com o INSS, o que permitia o desconto em folha dos beneficiários. A autorização para o desconto, contudo, em muitos casos, era fraudada.
Segundo a Polícia Federal, para o desconto ser realizado, a entidade precisaria de autorização expressa e individual de cada beneficiário. Na investigação, foram identificadas, porém, a ausência de verificação rigorosa dessa autorização e a possibilidade de falsificação de documentos de filiação e autorização.
O requerimento
Signatários
260 (deputados e senadores)
Quem propôs
Deputada Coronel Fernanda
(PL-MT) e senadora Damares
Alves (Republicanos-DF)
Objetivo
Investigar as fraudes
bilionárias no INSS com
descontos ilegais realizados
de 2019 a 2024