O GLOBO, n 32.339, 20/02/2022. Economia, p. 16
Agro também é cripto: moedas digitais viram opções de crédito
Vítor da Costa
‘Tokens’ lastreados na produção de grãos podem unir produtor e investidor
À primeira vista, o mundo dos criptoativos pode parecer distante do campo, mas já existem moedas digitais lastreadas em produtos agrícolas que têm o potencial de movimentar muito dinheiro nos próximos anos. Para investidores, pode ser uma forma de investir no setor sem plantar uma muda sequer. Para produtores, uma opção para financiar a compra de insumos e pagar com a produção num cenário de alta de juros e acesso restrito ao crédito direcionado para o setor.
Uma das pioneiras no segmento é a start-up argentina Agrotoken, que lançou em 2021 três moedas digitais lastreadas em commodities agrícolas, também chamadas de stablecoins. A primeira foi a Soya, cuja unidade representa uma tonelada de soja. Depois vieram a Cora e a Whea, lastreadas em milho e trigo, respectivamente. O produtor entrega a produção a um armazém parceiro, o que gera a emissão de criptomoedas pela Agrotoken a partir de um certificado. O processo usa a tecnologia blockchain, que está por trás de moedas digitais como o bitcoin. As moedas da Agrotoken ainda não são transacionadas em exchanges, corretoras de criptomoedas, mas esse é o plano da empresa, diz a CEO da Agrotoken, Gabriela Roberto Baró:
—Ainda estamos focados nos primeiros passos. Queremos fortalecer o ecossistema, estabelecer a confiança com produtores e empresas.
A experiência começou na Argentina, grande produtora de grãos como o Brasil, onde foram “tokenizadas” 12 mil toneladas de soja, e deve chegar ao Brasil em março. A meta da empresa é emitir neste ano criptoativos baseados em 500 mil toneladas de grãos nos dois países.
A cooperativa Minasul, que atua no setor cafeeiro, lançou em julho de 2021, outra moeda digital rural, a Coffee Coin. Cada uma equivale a um quilo de café —uma das commodities agrícolas que mais se valorizaram nos últimos meses — dos seus estoques. Até o momento, já foram colocados no mercado 60 mil tokens.
RISCOS EXISTEM
Para os investidores, atrai o fato de poderem ganhar com avariação da cotação internacional do café e com a do mercado de criptomoedas, embora isso também signifique um risco duplo. Luis Henrique Albinati, diretor de Novos Negócios da Minasul, explica que o aumento da procura pode valorizar a moeda num ritmo superior ao do preço da saca de café, mas ainda assim considera o ativo mais seguro por possuir um padrão monetário e um lastro físico auditáveis.
— A ideia surgiu do momento em que percebemos que o mercado de café estava muito restrito. O que fizemos foi dar uma opção para que outras pessoas participassem desse mercado — diz, acrescentando que produtores de café têm como vantagem evitar o envelhecimento da safra ao convertê-las em criptomoedas que podem ser usadas na própria cooperativa para a compra de insumos.
A moeda digital do café foi lançada pela start-up Culte, que tem como foco o financiamento de pequenos produtores rurais. O próximo passo é transformar a Coffee Coin num meio de pagamento a ser usado no shopping virtual criado pela empresa para produtores rurais, que reúne agroindústrias e fornecedores. A empresa pretende movimentar cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,1 bilhões) nos próximos cinco anos.
— O próprio comprador já poderá estar financiando antecipadamente a sua produção através de cripto ou terceiros poderão utilizar cripto para darem de garantia no financiamento — diz o sócio e CEO da Culte, Cláudio Rugeri.