VALOR ECONÔMICO, n 5416, 13/01/2022, Opinião, A10
Bolsonaro nada faz contra mais um onda da covid-19
A quinta variante da covid-19, a ômicron, é a recordista em propagação e em furar o bloqueio das vacinas. Três milhões de pessoas foram infectadas por dia no mundo, um recorde até agora, e a curva de casos no Brasil, onde a ômicron já é predominante, apontou para cima de novo. A experiência acumulada na pandemia é suficiente para enfrentar um vírus de menor taxa de letalidade, mas não para deter a nova corrida aos hospitais e postos de saúde que, por sua vez, começam a ficar gravemente desfalcados pela contaminação de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio. Já o presidente Jair Bolsonaro, 620 mil mortes depois, segue preocupado com seus fantasmas particulares - até mesmo uma farsesca supernotificação de casos de covid-19 - enquanto o Ministério da Saúde vive apagão de dados há um mês.
A nova onda da covid-19 pode ser um problema eleitoral para Bolsonaro - que só pensa nisso. A primeira reação do presidente, no entanto, não é tomar providências e enfrentar da melhor maneira possível o vírus, mas criticar as soluções disponíveis, que mostraram eficácia. Foi assim desde o começo, quando a “gripezinha” vislumbrada pelo presidente se transformou em uma hecatombe, com o país exibindo o segundo maior número de mortes do mundo. Mas as mortes, o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde e o enorme e dedicado esforço das redes públicas e privadas de saúde nada significaram para Bolsonaro, que se supera em demonstrar quanto sua ignorância pode ser destrutiva.
Quanto mais os problemas se avolumam e, com eles, a possibilidade dele ser ejetado da Presidência em outubro, mais Bolsonaro se agita em ataques paranóicos. Em entrevista à Jovem Pan, advertiu que “já vejo ensaio de governadores querendo fechar tudo novamente”, provavelmente em alusão às medidas preventivas necessárias contra aglomerações no carnaval que começam a ser tomadas. O presidente disse que se isso ocorrer haverá uma “rebelião”, sem que haja “Forças Armadas suficientes para a garantia da ordem”.
Os meios recomendados pela expertise médica do presidente - o nefasto kit covid - foram desacreditados pela ciência. O que Bolsonaro sugere agora? Nada, fora a imunidade de rebanho que sempre pregou. “Eu desconheço uma autoridade que tenha adotado a minha linha. Será que eu sou o único certo? Será que eu sou a pessoa que andou falando absurdos? A realidade vai caindo”, disse na entrevista. Os recuos sucessivos na confiança e intenção de voto nas pesquisas, apontam que a realidade de fato desaba, mas sobre a cabeça do presidente.
Bolsonaro ontem voltou à sua cantilena e disse que a ômicron é “bem-vinda” por ser de baixa letalidade e sinalizar o fim da pandemia, aparentemente mimetizando declarações de cientistas sérios, que dizem algo diferente e circunstanciado. Em primeiro lugar, embora a ômicron drible vacinas, os vacinados são os que se saem melhor da infecção. A diferença entre o imunizado e o não vacinado é “brutal”, segundo a cardiologista Ludhmila Hajjar, desconvidada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a ocupar um posto avançado no combate à pandemia por seu espírito crítico à charlatanice bolsonarista. “As UTIs estão atualmente só com casos de Covid entre os não vacinados”, disse a “O Globo” (ontem). “Os imunizados dificilmente passam do atendimento ambulatorial”.
Ontem o presidente recomendou a Queiroga a divulgação de casos de efeitos colaterais das vacinas. Voltou também a desdenhar a vacinação de crianças de 5 a 11 anos, tema de sua investida calhorda contra a Anvisa, sugerindo interesses escusos em favor da imunização infantil. Antonio Barra Torres, diretor-presidente da agência, exigiu em comunicado que o presidente apresentasse provas de corrupção ou se retratasse.
Bem no seu estilo, Bolsonaro manteve o que insinuou. “Não quero acusar a Anvisa de absolutamente nada. Agora, que tem alguma coisa acontecendo, não tem a menor dúvida que tem”, afirmou. Houve corrupção de fato, mas na Saúde, quando um governo visceralmente contra vacinas abrigou esquemas de propinas para sua obtenção. Bolsonaro soube disso por um deputado e nada teria feito. E é acusado de prevaricação em processo sugerido pela CPI da Covid.
Há tempos o presidente representa um risco à saúde pública, mas nenhum poder da República se mostrou capaz de fazê-lo cumprir as determinações constitucionais que exigem a proteção ao direito à vida e à saúde dos brasileiros.