O GLOBO, n 32.340, 21/02/2022. Política, p. 4

NO CENTRO DO DEBATE

Eduardo Gonçalves


Amazônia ganha destaque na disputa presidencial e extrapola pauta ambiental

Relegada à prateleira dos temas de menor importância em pleitos anteriores, a Amazônia deverá migrar para o centro dos debates na disputa pelo Palácio do Planalto deste ano. Da esquerda à direita, as pré-campanhas dos presidenciáveis têm defendido que a preservação da floresta não é mais um tema restrito à ordem ambiental, mas de economia, relações exteriores e desigualdade social.

A pauta ganha força por se tratar de um ponto de fragilidade do presidente Jair Bolsonaro, postulante à reeleição. Dentro e fora do país, sua política ambiental é alvo de críticas contundentes. Grandes investidores internacionais, reiteradamente, ameaçam retirar seus ativos do país caso o governo não intensifique a fiscalização para coibir o desmatamento da floresta.

Só no último mês, três pré-candidatos à Presidência fizeram discursos e postagens relacionados à proteção do bioma amazônico. No último dia 2, Sergio Moro (Podemos) defendeu a necessidade de se “estabelecer uma meta ambiciosa de desmatamento zero”. No dia 6, Ciro Gomes (PDT) cobrou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal por investigações contra integrantes do governo Bolsonaro que “ampliam a marcha da devastação dos últimos santuários da Amazônia”. No dia 9, Lula declarou que “cuidar da floresta é obrigação ambiental e econômica”.

Em contraponto, os planos e diretrizes das campanhas de 2018 de Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Jair Bolsonaro não tinham sequer a palavra “Amazônia”.

Com equipes próprias para tratar do assunto, as pré-campanhas já começaram a rascunhar suas propostas sobre o tema. Elas vão desde a retomada da demarcação de terras indígenas e renumeração de povos tradicionais para preservar áreas de conservação a políticas de “tolerância zero” contra o crime ambiental. Em comum, apesar das diferenças ideológicas, está a visão de que a questão ambiental é um dos flancos com maior potencial de dano aos planos de Bolsonaro, assim como a gestão da pandemia de Covid-19.

Para tornar o assunto mais palatável aos eleitores, os candidatos devem pontuar que a crise climática acaba impactando a vida dos mais pobres, vide a tragédia das fortes chuvas que mataram mais de 150 pessoas em Petrópolis (RJ). Além disso, eles devem destacar a urgência de recuperar a credibilidade verde do Brasil para garantir os bons resultados do agronegócio e atrair investimentos estrangeiros.

Um dos responsáveis por estudar o assunto na campanha de Lula, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) afirmou que o “enfrentamento da crise climática está hoje no mesmo patamar do debate sobre erradicação da desigualdade social”. Segundo ele, o PT pretende retomar as políticas que vinham sendo implementadas durante as gestões Lula e Dilma, como o programa “Bolsa Verde” que oferecia R$ 300 a famílias pobres que viviam em áreas de conservação; e destravar os processos de demarcação de terras indígenas paralisados no governo Bolsonaro.

—Mais de 50% dessas áreas ainda estão em fase de processamento —disse ele.

O comitê de campanha de Bolsonaro ainda não indicou quem vai capitanear a elaboração de propostas voltadas ao tema. Por ora, as manifestações sobre a pauta têm partido do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Durante a Conferência Mundial sobre o Clima, a COP26, em novembro, ele apresentou os planos do governo, que precisaria de mais dois mandatos para colocá-los em prática. Na ocasião, Leite anunciou uma nova meta de redução de 50% das emissões dos gases associados ao efeito estufa até 2030, a neutralização das emissões de carbono até 2050 e o fim do desmatamento ilegal até 2028.

PLANO DE INVESTIMENTO

Já o representante do meio ambiente na campanha de Moro, o agrônomo Xico Graziano não vê na criação de mais reservas ambientais a solução para acabar coma devastação do bioma.

— O diagnóstico que temos é que o desmatamento é maior em terras públicas. Criar unidades de conservação e não fiscalizar é só para inglês ver— afirma Graziano, que defende a criação de um cadastro de desmatadores.

Coordenador de campanhas tucanas do passado, Graziano afirmou que antes a Amazônia era um assunto lateral na agenda ambiental, que geralmente priorizava questões de saneamento básico e administração de lixões.

— Inevitavelmente, o bioma agora é o grande tema —disse ele.

Guru econômico da campanha de Ciro Gomes, o economista Nelson Marconi tem elaborado o que chama de uma “política de desenvolvimento científico-tecnológico” que leve as universidades à Amazônia para “promover atividades farmacêuticas, químicas e de alimentos”

— A pesquisa estimula o comércio, os serviços, os mercados de software no lugar da exploração predatória —afirmou ele.

Já o governador de São Paulo e pré-candidato do PSD B, João Doria, anunciou no fim da COP26, em Glasgow, um aporte de R$ 100 milhões do estado para um programa de pesquisa na região.