VALOR ECONÔMICO, n 5417, 14/01/2022, Brasil, A5
China é maior responsável por exportação recorde
Marta Watanabe
O valor das exportações brasileiras avançou 34% de 2020 para 2021, mais do que compensando a perda de 5,4% no ano anterior. O crescimento levou a um embarque recorde do Brasil de US$ 280,6 bilhões no ano passado, mas o aumento teve distribuição desigual pelos destinos. O incremento dos embarques desde o pré-pandemia foi quase todo direcionado para a China, que avançou na fatia da exportação brasileira no período. A participação dos chineses nos valores embarcados pelo Brasil subiu de 28,7% em 2019 para 31,3% no ano passado. A Ásia como um todo avançou quatro pontos percentuais em igual período, atingindo 46,4% em 2021.
A fatia da China avançou porque de 2019 ao ano passado as exportações brasileiras ao país asiático cresceram 38,5%, em ritmo maior que a média dos embarques totais. A exportação para os Estados Unidos, União Europeia e América do Sul também avançaram de 2019 para 2021, mas a taxas menores. Com isso, a fatia americana no valor da exportação brasileira caiu de 13,4% para 11,1% nesses dois anos. Na mesma comparação a União Europeia teve redução pequena, de 13,6% para 13%, mas ficou com a menor fatia da série histórica desde 1997. Os números excluem para a série toda o Reino Unido, que saiu do bloco em dezembro de 2020.
A participação da América do Sul caiu de 12,7% para 12,1% e só não foi a menor fatia histórica porque no ano passado, quando a economia da região sofreu mais em razão da pandemia, seu quinhão foi de 10,8%. A composição da pauta exportadora para cada país e região e seu nível de crescimento econômico explicam, segundo especialistas, as mudanças de participação na absorção dos produtos brasileiros.
Quando se olha somente volumes e assim se separa o efeito preço, o Indicador de Comércio Exterior (Icomex), levantado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), mostra também aumento para os embarques rumo à China num prazo maior. Mesmo com desacelerações ou até quedas em alguns períodos, o levantamento mostra que há tendência de alta na quantidade embarcada para a China considerando série desde 2008, diz Lia Valls, pesquisadora associada do Ibre.
De acordo com o Icomex, o volume exportado pelo Brasil ao país asiático cresceu mais de 360% em 2021 contra 2008. Em sentido oposto, a quantidade embarcada aos EUA caiu 18,6%. Para a Argentina e a União Europeia, houve redução de 30% e 28%, respectivamente, sempre na mesma comparação.
Destacar o efeito dos volumes, explica Lia, é importante porque no ano passado o valor embarcado pelo Brasil cresceu predominantemente pelo fator preço, puxado por itens importantes na pauta de exportação, como commodities agrícolas e metálicas. A estrela foi minério de ferro. Ainda pelo Icomex, o preço médio da exportação total do Brasil subiu 29,3% em 2021 contra o ano anterior. Em volume, os embarques aumentaram em ritmo bem menor, de 3,2%.
Para Livio Ribeiro, pesquisador associado do Ibre e sócio da BRCG Consultores Econômicos, há questões estruturais e conjunturais que explicam o avanço da fatia dos asiáticos na exportação brasileira.
“A questão mais estrutural é que estamos desenvolvendo uma pauta de exportação bastante complementar da cadeia de valor asiática. Isso vale para a China, que capitaneia muitos dos processos produtivos da região, mas também vaza para outros países do continente, como Coreia do Sul, Malásia, Singapura e um pouco para Indonésia.” Por isso, diz ele, o incremento no valor de exportação em 2021 não foi homogeneamente distribuído entre os blocos. “Cerca de 90% dessa margem foi praticamente inteira para a China.”
A estrutura de pauta de exportação brasileira para a União Europeia, compara Ribeiro, não é muito diferente da China quando se olha os principais itens, com parcela importante de commodities agrícolas e metálicas. “Mas quem tem comprado o incremental é a Ásia e isso faz sentido quando se considera que China e Ásia crescem acima da média global e os países da zona do euro vêm crescendo menos que os EUA.”
José Augusto de Castro, presidente de Associação de Comércio Exterior (AEB), diz que com a UE há mais oportunidades de trocas intracompanhia do que com a Ásia. Isso possibilita exportação de parcela maior de manufaturados aos europeus, com menor concentração de itens.
Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/ ME), os produtos mais vendidos em 2021 pelo Brasil à União Europeia - minério de ferro, petróleo, soja e farelo - somaram 40% dessa pauta. Em 2019 foram 28%. Para a Ásia, minério de ferro, soja e petróleo corresponderam a 66,2% da exportação brasileira no ano passado, cinco pontos percentuais a mais que em 2019.
A trajetória de longo prazo quando se olha em volumes também segue lógica semelhante, segundo Lia. A União Europeia, diz ela, apresentou crescimento muito mais baixo que a Ásia desde a crise financeira de 2008, lembra.
O quadro é parecido em relação à recuperação no decorrer do ano passado, após o primeiro ciclo da pandemia, lembra Ribeiro, o que já é um fator mais conjuntural do cenário. A Ásia, recorda, superou mais rapidamente a crise sanitária com as primeiras variantes da covid-19 e retomou o crescimento econômico com mais vigor.
Em relação à América do Sul, é o fator Argentina que mais pesa, pelo tamanho do mercado em relação aos demais países. Para os economistas, não há perspectiva de recuperação em ritmo mais acelerado dos valores exportados para a região se não houver recuperação mais sustentada da economia argentina ao longo do tempo.
Ao mesmo tempo, diz Ribeiro, há também certa reorganização da cadeia automotiva, com transferência de produção que atravessou a fronteira para o lado argentino. O movimento, avalia ele, não é exatamente algo estrutural.
“Isso já aconteceu nas duas direções algumas vezes nos últimos 25 anos, dependendo do momento. É preciso entender que no setor automotivo esse é um só parque industrial distribuído entre dois lados da fronteira.” Ir para o lado argentino, portanto, aponta, não significa decisão permanente, embora isso não favoreça a balança comercial para o lado do Brasil e nem haja perspectiva de quando pode acontecer o movimento inverso.
Em 2022, a desaceleração econômica deve dar o tom das exportações. Relatório do Banco Mundial divulgado nesta semana projeta desaceleração da economia da China, Estados Unidos e da zona do euro. Para China, maior parceiro comercial do Brasil, a projeção é de crescimento de 5,1% neste ano, após estimados 8% em 2021.
O cenário, diz Castro, é propício para medidas protecionistas, o que também pode atingir exportações brasileiras. Os EUA, lembra, já anunciaram subsídios a pequenos produtores de carne. Além disso, há preocupações iniciais em relação ao efeito da seca sobre a safra agrícola brasileira deste ano. Mesmo assim, diz, a expectativa é que a exportação possa propiciar superávit alto para este ano, ainda que menor que os US$ 61,2 bilhões de 2021. A projeção da AEB é de superávit de US$ 34,5 bilhões em 2022.