VALOR ECONÔMICO, n 5417, 14/01/2022, Política, A10
Guedes perde poder e Ciro Nogueira irá avalizar mudanças no Orçamento
Fabio Murakawa e Estevão Taiar
Um decreto firmado pelo presidente Jair Bolsonaro reduziu os poderes do Ministério da Economia para promover alterações no Orçamento. De acordo com o texto, publicado ontem no “Diário Oficial da União”, será necessário a partir de agora o aval da Casa Civil para que as mudanças sejam efetivadas.
A medida reflete uma disputa entre a ala política do governo e o ministro Paulo Guedes em torno da condução dos gastos públicos no ano eleitoral. E a disputa não foi pacífica.
Segundo fontes do Palácio do Planalto, coube ao presidente Jair Bolsonaro dar a palavra final sobre a mudança, que foi capitaneada pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Guedes foi avisado, participou de conversas, resistiu à ideia e tentou contra-argumentar. Mas se viu obrigado a aceitar a decisão presidencial.
“É uma maneira de retirar poder a tecnocracia e dar mais poder para a política”, definiu um ministro com quem o Valor conversou ontem.
O decreto em questão vem sendo editado todos os anos desde 2019, atribuindo ao Ministério da Economia a competência de fazer ajustes operacionais no Orçamento. Pelo novo formato, no entanto, há uma divisão de responsabilidades com a Casa Civil.
O cumprimento de regras ficais e da meta de resultados primários continuará a cargo da pasta comandada por Paulo Guedes. Porém, o texto publicado ontem determina que será preciso o aval da Casa Civil sobre as chamadas abertura de crédito suplementar e transferência de dotações orçamentárias.
Na prática, transfere-se de Paulo Guedes para Ciro Nogueira, senador eleito e presidente licenciado do PP, a última palavra no governo sobre atos de abertura ou remanejamento de despesas dos ministérios.
Em termos institucionais, esse tipo de decisão deixa de ser uma atribuição do Ministério da Economia e migra para dentro do Palácio do Planalto.
“A medida traz uma validação politica e de governo para os ajustes orçamentários”, afirma uma fonte palaciana.
A ideia de retirar influência de Guedes sobre a gestão do Orçamento já circulava há meses no governo, antes mesmo de Ciro Nogueira assumir a Casa Civil, no fim de julho do ano passado. Ela nasceu durante a gestão de seu antecessor, o general Luiz Eduardo Ramos, diante de problemas para cumprir acordo com aliados no Congresso por conta da “tesoura de Guedes”. Porém, a conjuntura à época não favorecia esse tipo de mudança.
O quadro mudou nos últimos meses, com o fortalecimento do Centrão e da ala política do governo, além da aproximação das eleições e o decepcionante desempenho de Bolsonaro nas pesquisas.
Há no Planalto e entre alguns ministros na Esplanada o entendimento de que o “idealismo” de Guedes, um fiscalista radical, vem emperrando ações de governo - e a liberação de emendas parlamentares, o que causa problemas na relação com o Congresso. Esse sentimento é comum tanto na ala política quanto na ala militar do governo.
O mais recente impasse acabou provocando um desgaste entre a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, responsável pela articulação política, e parlamentares pelo não cumprimento de promessas de pagamento de cerca de R$ 600 milhões em emendas no fim de 2021. Esse episódio ajudou a estremecer a relação entre Flávia e Nogueira, que interlocutores dizem já estar superado. Espera-se, com o decreto, também encerrar esse tipo de conflito.
Outra fonte ouvida pelo Valor diz que o decreto é uma forma de fazer com que os acordos políticos fiquem dentro do Orçamento e sejam devidamente acompanhados pela Casa Civil. A medida funcionaria como uma espécie de “manual” da Junta de Execução Orçamentária (JEO), grupo formado pelos ministros da Economia e da Casa Civil e que se reúne bimestralmente para remanejar o Orçamento conforme as necessidades da ocasião.
Segundo a fonte, vinham sendo realizados nos últimos anos acordos entre ministros, parlamentares e relatores do Orçamento que driblavam a Casa Civil. A briga pelo cancelamento desses acordos acabava desgastando o Ministério da Economia.
Neste ano, por exemplo, as emendas de relator somam oficialmente R$ 16 bilhões. Mas na prática todas as emendas, incluindo aquelas que não foram acertadas com a Casa Civil, estão em quase R$ 25 bilhões, de acordo com a fonte.
O governo trabalha inclusive para vetar pelo menos parte dos R$ 9 bilhões a mais, a fim de recompor despesas subestimadas no Orçamento de 2022. O diagnóstico é que despesas com pessoal e ligadas à Receita Federal estão subestimadas, respectivamente, em R$ 3 bilhões e R$ 2 bilhões.