O GLOBO, n 32.340, 21/02/2022. Economia, p. 9

O OUTRO LADO DA CONTA

Bruno Rosa


Enquanto combustível sobe com alta do petróleo, governos arrecadam mais

Enquanto motoristas e caminhoneiros gastam cada vez mais nos postos de combustíveis, o governo federal amplia sua arrecadação com a alta da cotação internacional do petróleo, potencializada pelo real desvalorizado frente ao dólar. Nos últimos três anos, a União acumulou ao menos R$ 123 bilhões com royalties e participações especiais da produção de petróleo no país, bônus de assinatura pelo direito de exploração de áreas do pré-sal e a distribuição dos lucros crescentes da Petrobras, da qual é a sua maior acionista.

Estados e municípios que abrigam atividade petrolífera também ganham alto só com royalties, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Entre 2019 e 2021, governadores tiveram reforço no caixa de R$ 59,5 bilhões e prefeitos, de R$ 37,5 bilhões. Houve ainda R$ 6,8 bilhões para fundos especiais e mais R $11,7 bilhões com a divisão do bônus de assinatura do leilão de áreas do pré-sal de 2019.

LUCRO RECORDE

Considerando apenas as participações governamentais na produção de petróleo, a arrecadação nos últimos três anos é cerca de 70% maior que nos três anos anteriores nas três esferas de governo. E a tendência é que os ganhos sigam aumentando neste ano, com a nova disparada da commodity no mercado internacional em meio às tensões na Ucrânia. Na semana passada, o barril do tipo Brent chegou a ser negociado perto dos US$ 95. Relatórios de bancos e analistas preveem que, em pouco tempo, ultrapassará os US$ 100, no maior patamar desde 2014. E quanto mais alta a cotação do petróleo e do dólar, maiores são os royalties — que variam de 5% a 15% do preço do barril —e os lucros da Petrobras.

Analistas esperam que o balanço de 2021 da estatal, que será divulgado na quarta-feira, contabilize lucro na casa dos R$ 100 bilhões, o melhor resultado da história da empresa. Foram R$ 75 bilhões nos nove primeiros meses do ano.

AUMENTO DE 70%

Também ajuda a arrecadação do setor público o aumento da produção de petróleo nos campos em águas ultraprofundas do pré-sal, que têm alta produtividade. Ou seja, o custo de extração por barril é mais baixo que a média do setor, o que amplia a margem de lucro. A Petrobras bateu recorde de produção no pré-sal em 2021, com média de 1,95 milhão de barris de óleo equivalentes por dia. Esse volume correspondeu a 70% de toda a produção anual da Petrobras, de 2,77 milhões de barris diários.

A Petrobras tem aproveitado a maré para reduzir endividamento e elevar a distribuição dos ganhos entre acionistas, sendo o governo federal o maior beneficiado. Nos últimos três anos, o governo federal recebeu cerca de R$ 30 bilhões somente em dividendos da Petrobras. Entre 2022 e 2026, a estatal pretende pagar entre US$ 60 bilhões (cerca de R$ 307,2 bilhões) a US$ 70 bilhões (R$ 358,4 bilhões) em dividendos. A União receberá 28,67% (sua fatia no capital da empresa) do total, o que pode chegara US $20 bilhões.

Deve entrar para o caixa do governo, neste início de ano, os bônus pagos pelas petroleiras que arremataram as áreas de Atapu e Sépia, no pré-sal da Bacia de Santos, no leilão realizado em 2019. O cheque é estimado em R$ 3,4 bilhões. Outros R$ 6 bilhões deverão ir para estados e mais R$ 1,7 bilhão para municípios.

Os ganhos extraordinários do setor público — que também arrecada mais com os impostos que incidem sobre os combustíveis— com a alta do petróleo alimentam propostas em discussão no Congresso para usar parte deste dinheiro para amenizar o impacto do repasse dos preços internacionais para os derivados, que turbinam a inflação e pesam no bolso dos motoristas e de quem compra botijão.

DEFASAGEM DE 13%

Em janeiro, o preço máximo do litro da gasolina ultrapassou os R$ 8 pela primeira vez na história da pesquisa em postos feita pela ANP. Desde janeiro de 2021, os preços subiram cerca de 50% nas bombas. Analistas esperam novos reajustes porque, segundo cálculo da Abicom (que reúne importadores de combustíveis), a defasagem dos preços das refinarias da Petrobras em relação aos do exterior chegou a 13% na semana passada.

O presidente Jair Bolsonaro propôs zerar tributos federais que incidem sobre combustíveis (Cide, PIS e Cofins), mas cobrou adesão voluntária dos estados em relação ao ICMS. Sem acordo, o Congresso discute alternativas, que incluem o uso de royalties, dividendos da Petrobras e até uma taxação da exportação de petróleo para bancar programas de subsídios ao consumidor, mas a ideia divide opiniões.

Cálculos de Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), estimam que subsidiar o diesel de empresas de transporte público urbano e caminhoneiro se o gás de famílias de baixa renda pode custar entre R $15 bilhões e R $20 bilhões por dois anos, menos que a Petrobras pagou em dividendos em três.

— Pensar em um novo uso desses recursos pode prejudicar as contas públicas, mas vai fazer o quê? O petróleo caro significa inflação mais alta. Diversos países da Europa e os EUA estão fazendo ações de redução de imposto e políticas sociais para evitar que o problema prejudique a economia — argumenta. — Estamos com preços momentaneamente altos. É preciso sensibilidade social neste momento.

Magda Chambriard, ex-diretora-geral da ANP, defende um fundo de estabilização só com o incremento de royalties de um ano para o outro.

— Petrobras, governo federal, estados e municípios estão ganhando com o aumento do petróleo, menos a sociedade. Então, que seja usada essa maior arrecadação para momentos como o atual em um fundo. É preciso entender que não haverá recursos suficientes para bancar a escalada dos preços. O que se pode fazer é evitar sobressaltos momentâneos—diz a consultora, ressaltando que o governo federal tem mais condições de abrir mão de receitas do que estados e municípios. — Os royalties têm diversos destinos e todos são úteis. Mas é preciso, na situação atual, pensar em algo.

PAÍSES FRACASSARAM

Edmar Almeida, professor do Instituto de Energia da PUCRio, também cita debates sobre preços de combustíveis em outros países. Entre as opções na mesa, ele avalia que o subsídio direto ao consumidor pode ser mais eficaz porque redução de impostos não garante que o impacto chegue ao consumidor. Para o especialista, usar royalties com essa finalidade seria um erro, já que são recursos pagos a título de compensação que devem ser destinados a investimentos capazes de promover desenvolvimento para o pós-petróleo:

— Noruega, Emirados Árabes e o Texas (EUA) têm fundos de longo prazo. Também temos o fundo social, mas hoje há pouca transparência sobre o uso desses recursos.

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital, diz que a solução ideal é uma reforma tributária ampla, que dê condições para ajustes nos impostos sobre combustíveis em situações como a atual, mas reconhece que a chance de algo assim avançar no Congresso é muito baixa. Ainda assim, avalia que usar recursos extraordinários do petróleo para subsidiar combustível pode terminar sem o efeito esperado. O impacto fiscal pode estimular uma alta do dólar.

— Países como Chile, Argentina, Venezuela, Irã e México, que adotaram mecanismos como fundos de estabilização, fracassaram. O custo é alto e geralmente não é suficiente para estabilizar os preços, sem falar no fato de subsidiar combustível fóssil em plena transição energética — diz. — Se o governo e o Congresso fizerem algo muito exótico, o câmbio pode neutralizar o subsídio. É preciso muito cuidado para não dar com uma mão e tirar com a outra.