VALOR ECONÔMICO, n 5417, 14/01/2022, Especial, A14
Municípios buscam se tornar mais inteligentes
Denis Kuck
Um futuro de “Black Mirror”, série de ficção científica que explora os avanços da tecnologia, parece cada vez mais presente: bairros, ruas, prédios e o cotidiano das pessoas digitalizados, controlados de forma remota por aplicativos e computadores. Na vida real, municípios brasileiros buscam se tornar cada vez mais cidades inteligentes. O termo designa o uso da tecnologia da informação para melhorar a gestão dos municípios e os serviços oferecidos à população.
O movimento cria demanda por infraestrutura de conectividade, aquecendo o mercado das grandes operadoras, mas sobretudo de provedores regionais, com maior penetração no interior do país. O investimento das cidades em tecnologia também aumenta os pedidos por equipamentos, como câmeras de videomonitoramento, e o desenvolvimento de soluções inteligentes e novos modelos de negócios e contratos entre empresas, startups e poder público.
Paulo Frosi, diretor de negócios da ConnectoWay, empresa especializada em tecnologia da informação, afirma que, no mundo, a estimativa é que nos próximos cinco anos sejam investidos cerca de US$ 200 bilhões em soluções e equipamentos para cidades inteligentes. “Na América do Sul, esse número não é tão grande, mas é relevante, entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões. E o Brasil vai levar grande fatia desse bolo.”. Os números da consultoria Marketsand Markets são ainda maiores: o mercado de cidades inteligentes deve crescer de US$ 457 bilhões, em 2021, para US$ 873,7 bilhões, em 2026, alta anual de 13,8%.
Mas afinal o que é uma cidade inteligente? A consultoria Teleco, especializada em telecomunicações, criou até um ranking sobre o assunto, que tem na liderança o município de Uberlândia (MG), seguido por Campo Grande (MS), Fortaleza, Santo André (SP) e Belo Horizonte. “De modo geral, é uma gestão da cidade que tem como base uma infraestrutura de tecnologia da informação, facilitando a interação com a sociedade e o oferecimento de serviços”, diz o presidente da Teleco, Eduardo Tude. Ele ressalta que a tecnologia precisa ser “humana”. Quer dizer melhorar a vida das pessoas. Entre os setores e equipamentos que podem ser digitalizados, estão semáforos, monitoramento de trânsito, câmeras de vigilância, prontuário médico, iluminação pública, limpeza e educação.
Segundo Frosi, na base dessa revolução científica está a questão da conectividade: levar fibra ótica e sinal de internet para todo o Brasil, ampliando a inclusão digital. “As cidades precisam ter uma infraestrutura de conectividade abundante. Grande parte desse investimento será das operadoras de telecomunicações regionais, que estão mais espalhadas pelo país do que as grandes e hoje fornecem mais da metade de todo acesso de banda larga do país”, afirma.
De forma complementar, o diretor da Connectoway diz que os provedores regionais oferecem parte da infraestrutura existente nos municípios menores. “Há um movimento interessante. A gente achava que as grandes cidades brasileiras iriam liderar esse processo de modernização, mas isso está vindo de cidades importantes do interior, com infraestrutura construída e saúde financeira que possibilita uma implementação mais rápida dessas redes”, afirma.
Um marco para a expansão das cidades inteligentes foi o leilão do 5G, que possibilitará uma expansão da internet das coisas (IoT), a interconexão digital de objetos físicos - conceito que permite, por exemplo, a instalação de câmeras e semáforos inteligentes, que transmitem dados entre si e para uma central de operações. A nova tecnologia está programada para chegar até julho nas grandes capitais. Embora em cidades menores a implementação possa levar alguns anos, mesmo uma boa rede de 4G permite projetos leves e eficientes para cidades inteligentes.
Para Frosi, está ocorrendo uma alta da demanda por equipamentos e serviços de videomonitoramento: “Grande parte dos investimentos será em câmeras para forças de segurança e inteligentes, que conseguem tomar decisões sozinhas, como gerar alarmes em caso de invasões e identificar comportamentos e cenários de briga.”
A Connectoway está em processo de negociação com prefeituras para uso de videomonitoramento para identificação de placas de veículos e reconhecimento de invasão de perímetros urbanos. Além disso, tem um projeto em andamento para monitoramento inteligente de presídios. Em São Paulo, ela está desenvolvendo equipamentos para análise inteligente do comportamento de ciclistas e movimento das ciclofaixas.
Fundada em 1981, a Brascontrol tem foco na área de mobilidade urbana e segurança. Ferramenta usada pela empresa para controle de estacionamentos rotativos será adaptada para instalação em carros de forças de segurança municipais: será uma espécie de radar móvel, que detecta placas de carros roubados e com tributos vencidos. Além disso, com o uso de tecnologia inteiramente nacional, a empresa implementou o sistema de controle semafórico em tempo real do Veículo Leves Sobre Trilhos (VLT) de Santos (SP), que prioriza a fluidez no tráfego para o transporte coletivo. Em Florianópolis e Feira de Santana (BA), a Brascontrol instalou monitoramento inteligente dos semáforos.
A empresa de tecnologia curitibana L8 Group venceu, no fim de 2021, licitação para fornecimento das câmeras que serão usadas nos uniformes dos policiais e outros agentes de segurança do Estado do Rio. Foram adquiridos cerca de 22 mil equipamentos, por R$ 296 cada um. A L8 também trabalha com o desenvolvimento de postes inteligentes, que, além da iluminação, podem agregar funções como câmeras, sistema de energia solar e transmissão de dados sem fio - que possibilitam monitoramento do trânsito e até de risco de enchentes. O equipamento está instalado, por exemplo, no campus do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), em Curitiba.
Outra empresa que trabalha com os postes inteligentes é a Engie. No ano passado, a companhia adaptou plataforma feita para contagem de veículos para monitorar aglomerações, dispositivo usado pela prefeitura do Rio.
“O mercado se aqueceu nos últimos anos, principalmente por parte de municípios buscando soluções inovadoras para melhorar a gestão do serviço público”, diz o gerente de desenvolvimento de negócios de soluções da Engie, Kevin Alix. Segundo ele, três pontos explicam esse movimento por parte das cidades: as tecnologias estão ficando mais baratas e eficientes; as prefeituras buscam otimizar recursos orçamentários, o que pode ser feito através da digitalização; e a demanda da população por serviços mais modernos.
Nos últimos três anos, a empresa venceu os leilões de Parcerias Público-Privadas (PPP) de iluminação pública em Uberlândia e Petrolina (PE). Os editais preveem que parte do investimento seja aplicada em soluções para cidades inteligentes, mecanismo considerado inovador pelo mercado e que vem se repetindo em licitações do setor. “Os contratos obrigam a concessionária a instalar uma rede de comunicação entre os postes, rede que pode ser usada para transmitir dados de qualquer natureza. Isso é uma maneira do município contornar a aquisição de um sistema inteiro de telecomunicações”, diz Alix. Após realizar a troca das luminárias para a tecnologia LED e automatizar a gestão da iluminação pública, a Engie pretende disponibilizar dados por meio dessa rede, que poderá ser usada por empresas fornecedoras de energia e saneamento.
A Siemens é outra empresa que vem dando atenção ao setor, tendo criado, inclusive, unidade para atender às demandas das cidades. Entre as soluções desenvolvidas pela companhia, está uma ferramenta de performance que ajuda gestores a identificar pontos de melhoria relacionados à emissão de resíduos, controle de poluentes, iluminação pública e energia. A plataforma orientou a prefeitura de Jundiaí a implementar um sistema de monitoramento inteligente em tempo real da qualidade do ar.
“As cidades estão sob extrema pressão. Os centros urbanos em todo o mundo estão lutando para lidar com populações em expansão, que colocam uma demanda crescente em recursos como energia, água limpa e ar limpo. Sabemos que os desafios são enormes, mas as oportunidades também”, diz Sergio Jacobsen, vice-presidente da área de Smart Infrastructure da Siemens.