O GLOBO, n 32.341, 22/02/2022. Brasil, p. 10

“Ela não quer voltar, principalmente de transporte escolar''

Luísa Marzullo*


Menina negra tem cabelos cortados por colega quando dormia em ônibus no interior de Alagoas

Mãe de uma menina negra de 8 anos, a cabeleireira Karla Santos viu a filha chegar amuada da escola Antônio Lins de Souza, em Rio Largo (AL). Quando foi prender os cabelos da criança para levá-la a um parque, viu que ela estava sem muitas mechas do cabelo encaracolado. Elas foram cortadas no ônibus escolar, enquanto a criança cochilava. Ao acordar, duas colegas, de 9 e 10 anos, estavam rindo da criança.

—Perguntei o que tinha acontecido e ela disse que não sabia ao certo quem tinha cortado. Procurei a coordenadora imediatamente e levamos o caso para a direção da escola — diz a mãe.

Na manhã seguinte, a família percebeu a profundidade dos cortes e a menina perguntou se ficaria careca. Os oito filhos da família estão com medo de voltar às aulas.

—Ela não quer voltar, muito menos de transporte escolar. O irmão que pega o mesmo ônibus também não quis ir. Não conseguimos levar e buscar todos — conta Karla.

De acordo com a mãe, o colégio informou que o responsável teria sido uma criança de 6 anos, reincidente neste tipo de comportamento.

—Eu não quero culpar as coleguinhas dela, quero questionar o motivo de não terem avisado que o menino estava cortando o cabelo dela. Aparentemente, não foi a primeira vez que ele fez isso. Foi preciso a minha filha ser vítima para a escola tomar uma atitude. E se fosse algo mais grave? — questiona Karla

A mãe atribui o episódio a “birra de criança”. Mas Wallace Lopez, mestre em Relações Étnico-raciais e pós-doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, o caso é relacionado a racismo:

—A responsabilidade não é da criança de 6 anos, mas sim de uma sociedade racista que define um único padrão estético.

A prefeitura de Rio Largo informou que apura o fato e a Secretaria Municipal de Educação está à disposição.