O GLOBO, n 32.341, 22/02/2022. Economia, p. 11

AUMENTO DE R$ 4OO

Manoel Ventura e Daniel Ventura


Governo estuda reajuste a servidores, mas presidente faz sinal somente a policiais

Pressionado por movimentos dos servidores federais e pela proximidade das eleições presidenciais, o reajuste para o funcionalismo voltou à ordem do dia no governo. Enquanto ministros avaliam um aumento linear de R$ 400 mensais para todos os servidores da União neste ano, o presidente Jair Bolsonaro fez um afago público ontem à Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante cerimônia no Palácio do Planalto. Bolsonaro convidou dezenas de policiais para o palco, disse que eles merecem ser “valorizados” e pediu que a sociedade “entenda que isso deva ser feito”. O presidente, contudo, não confirmou se concederá o aumento a essa categoria.

— Nós temos que valorizar esses profissionais. Eu espero que a sociedade entenda que isso deva ser feito. Vivemos um momento difícil com a pandemia, onde lamentamos todas as mortes, mas também sofremos um baque na economia. E algumas categorias… Ou melhor, todas as categorias merecem ser valorizadas — afirmou Bolsonaro.

O presidente afirmou que “quem nós pudermos salvar na frente, a gente salva” e pediu “compreensão” dos demais servidores:

— O que nós procuramos fazer? Quem nós pudermos salvar na frente, a gente salva. Espero a compreensão das demais categorias, dos demais servidores do Brasil.

As declarações ocorreram durante evento de lançamento de plataformas digitais de políticas públicas de direitos humanos. Bolsonaro desceu a rampa que liga o terceiro andar do Planalto ao segundo acompanhado de dezenas de policiais rodoviários federais. Durante seu discurso, convidou os profissionais a subirem ao palco.

GASTO MAIOR QUE O PREVISTO

O presidente havia prometido dar um aumento para a Polícia Federal (PF), para a PRF e para o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), e chegou a reservar R$ 1,9 bilhão no Orçamento deste ano para esse fim. A promessa de reajuste para as forças policiais gerou protestos das demais categorias, que fizeram manifestações em Brasília e paralisações, em alguns casos.

No governo, já se sabe que Bolsonaro deseja conceder aumento para todos os servidores, e a solução de um reajuste linear é bem vista por auxiliares do presidente. Integrantes do governo afirmam que é preciso dar “boas notícias” em ano eleitoral, mas o Ministério da Economia ainda é resistente à ideia de conceder aumentos para os servidores.

Um reajuste de R$ 400 teria impacto de cerca de R$ 5 bilhões no Orçamento deste ano, de acordo com fontes do governo. Para acomodar a diferença entre o previsto e o novo custo dos reajustes, é necessário fazer cortes em outras despesas, já que o Orçamento federal é limitado pelo teto de gastos (a regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior ). O valor é o mesmo do pagamento mínimo do novo Auxílio Brasil.

Como os gastos já estão no limite do teto, é preciso cortar recursos no Orçamento para acomodar novas despesas. Técnicos da equipe econômica argumentam, porém, que há gastos mais “meritórios” que as despesas com reajustes para servidores. Além disso, um reajuste tem impactos permanentes, já que os valores ficam incorporados aos salários de ativos e inativos ao longo dos próximos anos.

Hoje, a maior parte dos servidores federais recebe entre R$ 2.500 e R$ 8.400 mensais, de acordo com o painel de dados de pessoal do Ministério da Economia. Por isso, a avaliação no governo é que um reajuste de R$ 400 é expressivo para grande parte do funcionalismo.

Em alguns casos, um reajuste de R$ 400 é suficiente até mesmo para recompor a inflação do ano passado, de 10,06%. Esse cenário, porém, pode desagradar categorias do funcionalismo que têm salários mais altos, cujos reajustes seriam menores percentualmente, longe de repor a inflação de 2021. Procurado, o Ministério da Economia disse que não comentará o assunto.

CORRIDA CONTRA O TEMPO

O governo trabalha para anunciar uma decisão sobre os reajustes em março. A lei eleitoral veda aumentos num prazo de 180 dias antes das eleições, cujo primeiro turno está marcado para 2 de outubro. Ou seja, é necessário propor o reajuste até o início de abril. Em todos os casos, é preciso passar pelo Congresso Nacional, já que os vencimentos são colocados em lei.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem em entrevista à Jovem Pan News que o reajuste de policiais estava previsto na reforma administrativa e que alertou o presidente de que outras categorias iriam querer caso insistisse no aumento a policiais.

— O funcionalismo merece o aumento, tem que ter o aumento. Só que nós estamos esbarrando no teto e é ano de eleição. Se nós tentarmos dar o aumento agora, a gente podes e chocar coma lei eleitoral —afirmou.

A concessão de reajuste linear considera a visão jurídica. No início deste ano, em consultas informais feitas por auxiliares de Bolsonaro, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avisaram que conceder reajustes salariais para categorias específicas, como a de policiais federais, pode desencadear ações na Corte cobrando o mesmo tratamento para todos os servidores. O alerta dos ministros do STF ao governo é o de que o Supremo pode obrigar o “alinhamento” do tratamento dado a uma categoria às demais carreiras do Executivo, após dois anos de reajustes suspensos.

Ou seja, mesmo que a decisão de Bolsonaro seja a de conceder o reajuste apenas a policiais, o governo pode ser obrigado a dar aumentos a várias categorias, elevando o impacto fiscal da medida. O alerta foi levado por auxiliares ao próprio Bolsonaro.

INDEFINIÇÃO NO GOVERNO

A possibilidade de concessão de um reajuste de R$ 400 se insere em um histórico de idas e vindas de Bolsonaro em relação ao aumento para os servidores públicos. Os funcionários de União, estados e municípios passaram dois anos (2020 e 2021) sem reajustes, como contrapartida imposta ao aumento de gastos decorrentes da pandemia de Covid-19.

Com o fim dessa restrição, Bolsonaro foi o primeiro a falar da possibilidade de aumentos neste ano. A primeira vez que ele tratou do assunto foi em novembro do ano passado, quando prometeu conceder reajustes caso o Congresso aprovasse a proposta de emenda à Constituição (PEC) que alterou o pagamento de precatórios (despesas do governo decorrentes de decisões judiciais). Essa PEC também alterou o teto de gastos, abrindo um espaço de mais de R$ 100 bilhões para gastos neste ano.

A promessa de Bolsonaro gerou reação no Senado, já que a ideia original da PEC era a de abrir espaço apenas para o Auxílio Brasil de R$ 400. Com a reação negativa, o presidente deixou de falar em um reajuste linear, mas manteve a intenção de dar aumentos ao menos para os policiais. Integrantes da PF,da PRF e do Depen são algumas das principais bases eleitorais de Bolsonaro, na avaliação do governo.

O presidente se empenhou pessoalmente para reservar R$ 1,9 bilhão no Orçamento de 2022, com vistas a conceder os reajustes a policiais, embora até agora não tenha formalizado os aumentos. Essa posição de Bolsonaro gerou reação de outras categorias, como da Receita Federal e do Banco Central, que iniciaram um movimento de entrega de cargos e paralisações.