O GLOBO, n 32.341, 22/02/2022. Política, p. 5
Para Fachin, Bolsonaro vazou dados sigilosos
Mariana Muniz e Lucas Mathias
Ministro, que assume hoje presidência do TSE, diz não ter dúvidas sobre ação do presidente na live em que divulgou informações de inquérito sobre suposto ataque ao sistema da Corte. Magistrado vai apresentar plano contra as fake news
O ministro Edson Fachin, que assume hoje a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou ontem não ter dúvidas de que o presidente Jair Bolsonaro vazou dados sigilosos ao divulgar, em uma live nas redes sociais, informações de um inquérito que apura um suposto ataque ao sistema da Corte em 2018.
Na semana passada, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu o arquivamento da investigação, alegando que não houve irregularidade. A manifestação contrariou o posicionamento da Polícia Federal, que, em relatório, afirmou que existem indícios de crime e que há elementos sobre a “atuação direta, voluntária e consciente” de Bolsonaro no vazamento.
À GloboNews, Fachin evitou criticar Aras, ao dizer que é papel do Ministério Público oferecer denúncias ou requisitar arquivamentos, a depender do entendimento. Ao ser perguntado, no entanto, sobre a ação do presidente, o ministro foi direto:
—Sim, quanto a isso não há dúvida (sobre o vazamento). Realizar eleições é encontrar um meio não violento de resolver as controvérsias. Fomentar excessos de dúvidas artificiais e crises artificiais sobre o processo eleitoral significa ir na contramão daquilo que assegura a democracia.
COMBATE À DESINFORMAÇÃO
Fachin assume hoje a presidência do TSE com o desafio de organizar o processo eleitoral de uma disputa que se desenha acirrada e, para isso, preparou um plano de combate à desinformação. Neste cenário, vai manter o tom de seu antecessor, Luís Roberto Barroso, e seguir nas tentativas de contato como Te legram, aplicativo que não tem representação legal no Brasil e que desde 2018 ignora os apelos da Corte para que haja uma comunicação a respeito da disseminação de fake news.
Durante sua gestão, Fachin deverá atuar de maneira firme na defesa institucional não só do TSE, como da Justiça Eleitoral, frequentemente atacados pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. A interlocutores, o ministro também elenca como desafio de seu mandato os riscos de ciberataques, a polarização e as consequentes ameaças de violência. Por isso, a meta de campanha de Fachin será “paz e segurança nas eleições”. Todos esses temas deverão estar presentes no discurso de posse do ministro.
Ontem à noite, Fachin e Barroso se reuniram com o embaixador da Alemanha em busca de mais detalhes sobre a atuação do país em relação ao Telegram. Depois de intensa pressão do governo alemão, o aplicativo derrubou cerca de 60 canais que disseminavam fake news e divulgavam protestos violentos.
Apesar do estilo discreto e mais reservado do que o adotado por Barroso, ao longo do último ano o ministro vem fazendo alertas para riscos à democracia e ameaças golpistas. Em uma mensagem de fim de ano divulgada no último dia 31 de dezembro, Fachin fez um alerta para “ódios, fanatismos e irracionalidades” e defendeu que o futuro deve “ofertar ao Brasil luzes e não mais sombras”.
Na semana passada, Fachin disse ao GLOBO que países como a Rússia “têm relutado em sancionar os cibercriminosos que buscam destruir a reputação da Justiça Eleitoral e aniquilar coma democracia ”.
Ele também assume a Corte Eleitoral em meio ao que pode ser considerado o primeiro desgaste de sua gestão: a desistência do general da reserva Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, em assumir a Direção-Geral do TSE.
O recuo, atribuído a questões de saúde, ocorreu na terça-feira, na esteira da polêmica envolvendo questionamentos feitos pelo representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições sobre o processo de votação. Em uma “live”, Bolsonaro afirmou que os militares haviam encontrado “vulnerabilidades”, o que não era verdade. Depois, as respostas foram tornadas públicas, reforçando o caráter técnico da consulta.