VALOR ECONÔMICO, n 5418, dias 15,16 e 17 de Janeiro de 2022, Opinião, A13

Saldo da COP26 ainda está em aberto

Lina Pimentel

 

Chegou o momento de fazer história. Esse é o sentimento que deve permear autoridades, especialistas e executivos que acompanharam a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26). Antes de listar avanços ou frustrações do encontro, é preciso comemorar o fato de que nunca se teve tanto acesso a informações sobre o assunto, ampliando a visibilidade das discussões. Entram em cena agora as palavras responsabilidade e cooperação.

A COP26 pode representar um marco no caminho a ser trilhado pelas nações diante da emergência climática, que envolve questões socioeconômicas e de justiça social. O saldo do evento deste ano ainda não está fechado e pode ser positivo, se houver um plano de ação intensivo de cada um dos países que se comprometeram com as resoluções.

É fundamental um diálogo entre o governo federal e os governadores. O problema climático deveria ser a chave de união de um pacto federativo. Enquanto isso não acontecer, nenhuma política pública será de fato eficiente.

O que está na mesa são antigos e novos compromissos. Em linhas gerais, os quase 200 países presentes concordaram em empreender esforços para limitar o aquecimento global a 1,5°C até 2050. E até 2030 será preciso comprovar a efetiva caminhada nessa direção, sob pena de não se atingir o objetivo final.

Dessa forma, por exemplo, as emissões de dióxido de carbono (CO2) podem ser reduzidas em 45%, na comparação com 2010. Em 2050, não haveria emissões e as restantes seriam compensadas por reflorestamento e tecnologias de captura de carbono da atmosfera. Nesse sentido, as discussões que envolvem o mercado de carbono continuam no centro das atenções, pois se trata de um mecanismo fundamental para apoiar essa transição.

Existe também a expectativa de se criar incentivos para comunidades vulneráveis. No entanto, a ajuda financeira de nações desenvolvidas a países com dificuldades na convergência energética foi um dos pontos sensíveis da COP26.

O texto aprovado prevê uma definição de valores até 2024, com repasses a partir de 2025, e reconhece que a conta é muito mais alta do que os US$ 100 bilhões por ano prometidos por doadores.

Outra nota triste foi a guinada, na última hora, para uma “diminuição progressiva” do uso de carvão e combustíveis fósseis, ao invés da “eliminação”, como chegou a constar em uma das versões do acordo.

Em contrapartida, chamou atenção o compromisso de parar e reverter o desmatamento e a degradação do solo até 2030, em paralelo a iniciativas de desenvolvimento sustentável e transformação rural inclusiva. Declaração assinada por mais de 100 países.

Pensando em medidas concretas, uma alternativa é buscar soluções divididas em três perspectivas: pública, privada e não-governamental.

É evidente a necessidade de políticas públicas efetivas, começando pela urgente aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 1.539, de 2021, que irá estabelecer uma nova meta voluntária do Brasil ao Acordo de Paris. Em linha com o que Brasil prometeu nos últimos dias da COP26, o PL antecipa para 2025 a data limite para o cumprimento da meta de reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa resultantes de ações humanas, restando para 2030 a redução de 50%, com base no inventário oficial de emissões de 2005.

Com o sinal verde do Senado dado em outubro deste ano, o projeto precisa passar pela Câmara dos Deputados e seguir para sanção presidencial. É uma necessidade de primeira hora, sem a qual há pouca esperança de que medidas eficazes, que dirijam os esforços públicos e privados em alcance nacional, comecem a surgir.

Outra preocupação é fomentar o diálogo entre o governo federal e os Estados - que também precisam conversar entre si. Nesse sentido, creio que o problema climático deveria ser a chave de união de um pacto federativo. Enquanto isso não acontecer, nenhuma política pública será de fato eficiente.

O compromisso em reverter os recursos que vierem das nações desenvolvidas para equipar a máquina pública para fiscalização e planejamento ambiental é outro ponto relevante.

Tais ações, aliás, dependem da criação de um sistema eficiente de informações, algo essencial para nortear decisões estratégicas. O ideal seria integrar todos os dados fundiários (unidades de conservação, questões indígenas e quilombolas). Há ensaios nesse sentido, como o Bureau de Crédito Rural Sustentável do Banco Central, pautado na verificação da conformidade socioambiental de áreas rurais.

Quanto à iniciativa privada, o primeiro passo está na governança corporativa. As empresas precisam olhar para dentro e conferir se as estruturas estão desenhadas da melhor forma possível para que a sustentabilidade seja parte do modelo de negócio.

A partir daí, surge a reflexão sobre o poder dos conselheiros independentes, que têm obrigação de trazer para as discussões do colegiado os requisitos de perenidade e segurança da companhia, questões ligadas a mudanças climáticas e sustentabilidade.

É preciso verificar o peso do tema sustentabilidade dentro da empresa; se existe abertura à diversidade no conselho de administração; se há diálogo com a comunidade e demais partes interessadas; e se o negócio da organização é pensado para um horizonte de 100 anos.

Outro item que merece atenção é a cadeia de suprimentos. Pensar o negócio representa contemplar a reflexão sobre sua sustentabilidade em todo seu ciclo de vida.

Como terceiro pilar em torno de um desejável esforço conjunto de cuidado maior com o planeta surgem as organizações não-governamentais (ONGs). Muitas delas estão mais bem estruturadas e podem aportar um conhecimento técnico valioso em diversos temas ligados à sustentabilidade.

Trata-se de uma fonte rica de informações, com a qual seria importante qualquer companhia ou governo estabelecer cooperação. Da mesma forma, as ONGs deveriam persistir na busca de aberturas maiores para respectivas parcerias.

Há motivos de sobra para já se pensar na COP27, agendada para novembro de 2022, no Egito. Até lá, a esperança é de que haja avanços relevantes em países-chave, como Estados Unidos, nações europeias, China, Rússia, Austrália, Índia e Brasil.

Qualquer que seja o papel público ou corporativo dos que leem este artigo, creio que este é o momento de pensar em um modo melhor de executar seu trabalho, à luz dessas preocupações.

Basta imaginar que isso influenciará diretamente na vida desta e das novas gerações e que nos sentiremos responsáveis ao refletir sobre nossas próprias biografias.