VALOR ECONÔMICO, n 5419, dia 18/01/2022, Brasil, A2
Empresas têm de se envolver na educação, afirmam especialistas
Marli Olmos
A educação não depende só de educadores. Mais do que nunca, o tema envolve a sociedade e exige a participação das empresas, seja no apoio a projetos voltados à redução das desigualdades, seja por meio do reconhecimento de que uma empresa também faz parte dos espaços onde o indivíduo aprende ao longo da vida. É dessa forma que empreendedores podem dizer que ajudam a formar futuras gerações.
Em parceria com o Valor Social, área de responsabilidade social da Globo, a “Live do Valor ” de ontem, a primeira de uma série dedicada ao tema educação, discutiu o papel das empresas e fundações nesse cenário com dois especialistas na área: Cristovam Ferrara, head de Valor Social da Globo, e João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho.
A pandemia, lembraram os entrevistados, agravou a desigualdade educacional no país. “O sistema educacional reproduz a desigualdade e alimenta dispositivos que sustentam essa desigualdade”, afirmou Alegria. Segundo ele, alunos mais necessitados precisam receber mais recursos para poder alcançar os demais.
Para o especialista, em geral, os impactos da pandemia são profundos e ainda desconhecidos. Segundo ele, organizações calculam que o retrocesso educacional provocado pela crise sanitária poderá chegar a quatro anos e deixará lacunas de aprendizado, que só serão percebidas daqui a dez, 15 anos, quando aquela pessoa, já numa faculdade, por exemplo, apresentar dificuldade para aprender coisas novas. “Se fizerem uma regressão na história da sua educação poderão perceber que a lacuna em tal conhecimento, seja de matemática, seja de física, seja de geografia, ocorre porque ele estudou aquilo durante a pandemia”. A visão clara desse impacto, disse, ainda não está clara.
A pandemia ampliou, por outro lado, oportunidades de as empresas atuarem para reduzir o atraso educacional e a desigualdade. Para Ferrara, o setor privado tem que assumir seu papel na formação das pessoas. “Nenhuma empresa pode achar que vai contratar um colaborador pronto. Isso é uma ilusão. Porque o mundo está em constante mudança”, disse. Para ele, mesmo que o contratado traga uma bagagem de conhecimento terá de aprender coisas novas para atuar em determinada função.
Mas não se trata de oferecer apenas treinamento de processos, segundo Alegria. Para ele, as empresas estão entre os principais espaços onde o indivíduo tem a oportunidade de aprender ao longo da vida. “A empresa tem de se descobrir como um espaço de construção de aprendizado que vai além da formação técnico-profissional”, afirmou. Ele lembrou que as companhias às vezes encaram como um ônus colaborar no processo educacional. “Mas, na verdade, é um privilégio poder participar da construção de novas gerações.”
Para Ferrara, o tempo de aprender e o de aplicar não poder estar dissociados. “Antigamente se dizia: daqui a tanto tempo vou concluir meus estudos. A expressão está desatualizada. Não existe o momento em que se para de aprender.”
Os especialistas falaram também de como a pandemia expôs barreiras digitais e defenderam políticas públicas com linhas de investimentos nessa direção. Defenderam, ainda, que a questão tecnológica seja tratada com cautela. “No início da pandemia surgiu a epifania da tecnologia na educação; muitos pensaram: agora tudo será feito pelo computador. Mas o toque de realidade foi trazido pelo sistema público, que alertou: nossos alunos não têm computador, não têm acesso à internet”, destacou Alegria.
Para ele, engana-se o que acha que qualquer jovem entende de tecnologia. “O jovem experimenta mais porque tem menos medo que um adulto de mexer num celular”. Em geral, disse, o jovem não tem noção das linguagens da computação e, por isso, acaba sendo “muito mais vítima da máquina do que protagonista dela”.
Para ele, o país não tem infraestrutura suficiente para sustentar um programa educacional conectado. “O professor sai no prejuízo por acharem que ele não é formado [para essa competência]. Mas isso é injusto. A população não está preparada para o uso da tecnologia digital para fins educacionais porque tem baixa fluência digital”, afirmou Alegria.
O que o especialista chama de baixa fluência digital afeta não só educação e jovens. Adultos e idosos também são vítimas porque, em meio à cultura do ódio e das “fake news”, não conseguem identificar informação de qualidade. “Diante da dificuldade de escrever fica mais fácil encaminhar uma mensagem, mesmo que ele não concorde com tudo o que está lá.”
Os entrevistados citaram, ainda, as edtechs, startups focadas em soluções tecnológicas para a educação. Segundo Ferrara, o país já tem cerca de 400 edtechs, com um aumento de 28% na quantidade dessas empresas nos 12 últimos meses. Mas ambos concordaram que essas ferramentas não substituem a sala de aula nem as pessoas e que sem apoio financeiro, público ou privado, os alunos de baixa renda não terão acesso à inovação. E defenderam a educação a distância como uma ferramenta que requer moderação, em modelos híbridos que preservem o equilíbrio.
A Globo e a Fundação Roberto Marinho têm longa história de projetos voltados à educação, com iniciativas que se tornaram simbólicas, como o Telecurso e o Canal Futura. De várias dessas iniciativas, surgiram parcerias com o poder público e muitas delas ajudaram a manter vivas discussões sobre diversos temas.
Em dezembro, foi dado mais um passo nessa direção com o lançamento do Movimento LED - Luz na Educação. O projeto busca iluminar práticas inovadoras. Pioneiro no país, o movimento terá três pilares: uma premiação, um festival e uma plataforma de relacionamento permanente com os interessados pelo tema. “Trata-se de uma provocação, um chamamento à sociedade”, afirmou Alegria.
O prêmio do Movimento LED vai oferecer R$ 200 mil a cada vencedor de seis categorias e R$ 300 mil a quem encontrar a melhor solução para um desafio. O festival possibilitará a vivência dessas práticas e a plataforma manterá a comunicação entre os que, como disse Ferrara, “fazem a diferença”.
Já estão abertas as inscrições para a premiação, que abrange várias modalidades e permite a participação de escolas, professores, estudantes e ONGs, entre outros. Ferrara disse que há um esforço adicional para convocar estudantes no anonimato: “Moçada, não se esconda”. Detalhes do movimento podem ser acessados no site: redeglobo.globo.com/movimento-led-luz-na-educacao.