O GLOBO, n 32.342, 23/02/2022.  Política, p. 8

Falta de consenso adia votação de projeto que legaliza jogos no país

Bruno Góes e Julia Lindner


PT se posiciona contra, em movimento liderado pela bancada evangélica. Lira defende o texto e tentará aprová-lo hoje

A falta de consenso adiou mais uma vez a votação do projeto de lei que libera os jogos no Brasil. Ainda assim, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais defensores da legalização, pretende insistir no plano de aprovar o proposta hoje. O PT decidiu que votará contra o texto, encorpando o movimento contrário, liderado pela bancada evangélica.

Parlamentares evangélicos vêm tentando protelar a tramitação, mas o texto enfrenta resistências também entre os simpatizantes das mudanças na legislação. Deputados não se entendem, por exemplo, sobre a possibilidade de liberar a instalação de cassinos em diferentes pontos ou limitá-los a áreas de resorts. As regras de exploração de bingos e, principalmente, jogo do bicho também dividem os parlamentares.

Segundo Lira, a legalização dos jogos pode fomentar o turismo e, consequentemente, gerar mais empregos e arrecadação de impostos. Ele argumenta ainda que as atividades estão disponíveis país afora, clandestinamente.

— Onde não acontecem jogos no Brasil? Temos o jogo do bicho há uma vida. Os cassinos. Em São Paulo, deve ter mais de 300. Temos jogos online. O brasileiro com cartão de crédito joga, e o imposto fica no Reino Unido — disse Lira, em evento organizado pelo banco BTG Pactual,

Integrantes da bancada evangélica consideram que Lira quer acelerar a tramitação do projeto para que ele seja votado em sistema remoto. Se a apreciação não ocorrer hoje, acabará sendo adiada para março, quando os deputados voltarão ao formato presencial. Nesse cenário, é possível intensificar a pressão corpo a corpo contra a proposta e lançar mão de instrumentos legislativos no plenário para dificultar a deliberação.

Lira pretendia pautar o projeto ontem, mas houve um revés logo pela manhã para os apoiadores do projeto. O PT, partido cuja bancada conta com 53 parlamentares (a segunda maior da Casa), fechou questão para votar contra a proposta.

— Ainda estamos preocupados com a regulação do jogo e a questão da fiscalização. Achamos que a discussão ficou muito apressada, e o assunto precisa ser debatido com calma. Não é o momento de votar ainda — justificou o líder do PT, Reginaldo Lopes (MG).

Depois disso, o relator da matéria, Felipe Carreras (PSB-PE), passou a reavaliar o projeto e a fazer modificações com seus auxiliares, em busca de um entendimento.

Vice-líder do governo, o deputado Evair de Mello (PP-ES) disse que não tem posição sobre o assunto porque o texto sequer foi apresentado formalmente aos parlamentares:

— Não somos a favor nem contra porque nós não sabemos qual é o texto. O relator está a portas fechadas mexendo, mas não conhecemos. Nós somos contra a primeira versão. Mas não recebemos nada até agora.

Líder da bancada evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) ligou para diversos líderes da Casa para defender a rejeição da matéria. Sóstenes não contava com a adesão do PT, mas disse que a sigla se tornou uma aliada relevante.

Ele também argumentou, em conversa com outras lideranças, que a demora para apresentação da versão final demonstra que há “algo errado por trás” do texto. Além disso, Sóstenes insiste que é necessário avaliar esse tipo de matéria com pelo menos 24 horas de antecedência.

—É um grande absurdo votar sem a gente saber o texto. É um acinte —disse. —Quando acontece de o texto não ser publicado, é porque não querem debater e querem fazer a toque de caixa. Dessa forma, não é democrático. Meu trabalho é advertir líder por líder. Votar agora é uma temeridade. A gente vai votar sem ler.

Na versão atual, o projeto libera cassinos, bingos e jogo do bicho. O relator, porém, pretende delimitar que cassinos só possam funcionar em regiões turísticas, como parte de complexos hoteleiros. Os locais seriam definidos pelo Poder Executivo.