O Estado de S. Paulo, n. 48125, 22/07/2025. Política, p. A9
PF vai apurar suspeitas de negócios com dólar
Hugo Henud
Nino Guimarães
Fausto Macedo
Pedro Augusto Figueiredo
Informações privilegiadas no dia do anúncio do tarifaço teriam rendido lucros de até 50%.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou, ontem, a abertura de um inquérito da Polícia Federal para investigar suspeitas de uso de informações privilegiadas que teriam resultado em lucros de 25% a 50% em operações de compra e venda de dólar no dia em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o tarifaço contra o Brasil.
A decisão atende a um pedido da advogado-geral da União, ministro Jorge Messias. Na quinta-feira, ele protocolou no STF uma manifestação em que sustenta indícios de que “transações de câmbio ocorreram em volume significativo e horas antes do anúncio oficial das novas tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos ao Brasil, o que sugere possível utilização de informações privilegiadas (insider trading) por pessoas físicas ou jurídicas, supostamente com acesso prévio e indevido a decisões ou dados econômicos de alto impacto”.
O caso foi autuado como petição autônoma e sigilosa e,
por se tratar de fatos conexos, será relatado por Moraes – já responsável pelo inquérito que investiga o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por articulações com congressistas republicanos para pressionar o STF a anular a ação penal do golpe, na qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é réu.
OPERAÇÕES. No sábado, a AGU encaminhou ao Supremo uma manifestação relatando que investidores teriam obtido lucros de até 50% em poucas horas com operações de câmbio realizadas antes do anúncio oficial do tarifaço.
O documento foi enviado ao Supremo depois que uma reportagem da TV Globo, exibida na última sexta-feira, mostrou que ocorreram transações de câmbio em volume significativo antes e depois do anúncio oficial pelos EUA das novas tarifas comerciais.
SALTO. Spencer Hakimian, que administra o fundo Toulou Capital, disse à TV Globo que, às 13h30 do dia 9 de julho, houve um salto abrupto na cotação do dólar, que ele atribuiu a uma compra expressiva entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, a R$ 5,46.
Cerca de dois minutos após o anúncio do tarifaço, feito por Trump às 16h17, houve uma venda nas mesmas proporções, na cotação de R$ 5,60. A aposta pode ter rendido de 40% a 50% do investimento em três horas, disse Hakimian.
“Não é o padrão normal das transações com o real. Pode ser qualquer um que sabia (das tarifas anunciadas) desde o começo. Vamos ter de esperar para ver quem realmente foi”, afirmou o gestor.
Trump anunciou, no dia 9 de julho, a taxação sobre produtos importados do Brasil, com início a partir de 1.º de agosto. A decisão foi justificada principalmente como resposta ao tratamento dado pelo Brasil a Bolsonaro e a decisões do Supremo contra empresas americanas de tecnologia.
A Advocacia-Geral da União argumenta que o inquérito para apurar a conduta de Eduardo Bolsonaro “decorre do uso de instrumentos comerciais internacionais como mecanismo de coação premeditada contra a Justiça brasileira”.
No documento ao Supremo, a pasta de Jorge Messias também destaca que Moraes indica, no inquérito, que “a implementação do aumento de tarifas tem como finalidade a criação de uma grave crise econômica no Brasil, para gerar uma pressão política e social no Poder Judiciário e impactar as relações diplomáticas entre o Brasil os EUA”.
Além da investigação dentro do inquérito já em tramitação, a AGU solicita ainda que a Procuradoria-Geral da República (PGR) seja comunicada e que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tome “providências administrativas e civis” sobre as transações.
“Transações de câmbio ocorreram em volume significativo e horas antes do anúncio oficial das novas tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos ao Brasil, o que sugere possível utilização de informações privilegiadas (insider trading) por pessoas físicas ou jurídicas, supostamente com acesso prévio e indevido a decisões ou dados econômicos de alto impacto”
Advocacia-Geral da União (AGU) Em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF)
DISCUSSÃO. Ontem, Eduardo e o influenciador Paulo Figueiredo afirmaram que a possibilidade do tarifaço foi discutida em reuniões que eles tiveram com autoridades do governo americano antes de Trump anunciar a medida. O relato vai na contramão da fala de Bolsonaro, que rechaçou qualquer relação com a tarifa imposta ao Brasil.
Segundo Eduardo, inicialmente, ele defendeu sanção apenas a Moraes. Depois, no entanto, considerou que a opção de Trump pela tarifa de 50% foi acertada. “A gente não imaginou que fosse decretada a tarifa. Mas nós não somos o presidente dos Estados Unidos”, disse o deputado.