O Estado de S. Paulo, n. 48125, 22/07/2025. Política, p. A11

Crise pode colocar até a Amazônia em risco?
Marcelo Godoy


Era 12 de abril quando o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Peter Hegseth, afirmou, ao se referir à América Latina: “Vamos recuperar o nosso quintal”. Seu raciocínio era de que as administrações anteriores haviam sido omissas em relação à região, permitindo que a China estabelecesse contratos e relações que ameaçam os EUA.

A frase não passou despercebida. Observadores das relações internacionais sentiram que o potencial da ventania, que nascia em Washington, se dirigia ao sul. O Panamá foi o primeiro país a senti-la e, depois, a Colômbia. No Brasil, como sempre, as elites, o governo e a oposição se comportaram como se a história não lhes dissesse respeito.

Mas os indícios estavam à vista de todos: a irracionalidade da gestão americana, a polarização política, os abalos na aliança atlântica, o rearmamento da Europa, a humilhação de Zelenski e as ameaças à soberania do Canadá e da Dinamarca.

E o que dizer das taxas contra União Europeia, China, Japão, México, Canadá e África do Sul? Tudo dirigido para além dos muros do “quintal americano”. Em pouco mais de 15 dias, o governo Trump impôs sanções à nossa economia em razão do destino da família Bolsonaro, chantageando Judiciário, empresários e trabalhadores, agindo como se buscasse o pizzo, a taxa de proteção cobrada pelas máfias.

PAUTA. Um ponto chamou a atenção de observadores militares consultados pelo Estadão: o fato de Trump, que nunca tomou a pauta ambiental para si, ter usado como argumento para suas sanções o desmatamento ilegal da Amazônia. Por qual motivo um presidente que retirou seu país do Acordo de Paris, defensor dos combustíveis fósseis e cujos apoiadores não acreditam no aquecimento global resolveu defender a Amazônia?

“Não é a bandeira dele (Trump)”, disse um general. O atual cenário caótico, causado pela ausência de racionalidade, seria como se as discussões estivessem “vedadas aos adultos da sala”. O general alertou: se a soberania da Amazônia for ameaçada, será “a morte da estratégia bolsonarista”.

Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo são acusados de usar o governo americano para obstruir a Justiça no Brasil. Na visão deles, a estratégia serviria para arrancar a anistia ao chefe do clã. “Já está ruim para ele justificar as tarifas, imagina se o camarada investir contra algo tão precioso, que é a nossa soberania territorial na Amazônia?”

O Estadão ouviu dois coronéis e 12 generais da ativa e da reserva para verificar como eles enxergam o movimento de Trump e os cenários com os quais o País deveria se preocupar. Se o Brasil ceder, seria possível pensar em um cenário em que, no futuro, o americano questionaria a soberania brasileira na região? Embora distante, esse seria um cenário com o qual as autoridades deveriam se preocupar? As perguntas foram endereçadas aos militares. ‘LAÇOS’. Um deles não viu motivo de preocupação. O general disse que os países têm “laços históricos e de amizade”. Para ele, a questão é fundamentalmente “política e ideológica”. Os EUA não querem “perder um aliado de 200 anos, com imenso potencial e riquezas das quais são beneficiários”.

Ele afirmou que o Brasil tem uma posição estratégica, controlando rotas comerciais “imprescindíveis aos americanos”, e disse que o desejo de Trump é “enfraquecer o Brics e a esquerda latino-americana”, além de

Por que Trump usou como argumento para suas sanções ao País o desmatamento ilegal na região?

criar um contraste com a Justiça brasileira. O general crê no pragmatismo americano. É possível, como lembrou, que queiram enfraquecer a COP-30, mas, se esse era o objetivo, por qual razão Trump pôs o desmatamento na Amazônia como um dos fatores pelos quais o Brasil será investigado com base na Seção 301 da Lei Abrangente de Comércio e Competitividade Americana?

A disputa geopolítica com a China e as big techs podem estar no centro do raciocínio dos americanos. Ainda assim, seria possível a países como o Brasil esquecer o papel do termo “quintal” nesse contexto? Ele estabelece uma dupla dimensão sobre as sanções à economia brasileira e aos ministros do STF e a Paulo Gonet. Os EUA buscam um parceiro idôneo no Brasil ou um caseiro para o “quintal”?

Um dos entrevistados resumiu: “As grandes potências nunca deixaram ou deixarão de cobiçar a Amazônia brasileira”. Por isso, ele não se surpreenderia se, em um contexto de maior tensão com o Brasil, os EUA “partissem para tal pressão em prol da Amazônia”. Assim, há um consenso entre os militares: é preciso que o Brasil mantenha um “olhar cuidadoso sobre a região”. Ou como resumiu outro general em sua contribuição. Ele lembrou que o Exército sempre se posicionou em favor do maior envolvimento da sociedade, sobretudo do poder público, com os temas da Amazônia. Trata-se de região cujas carências demandam mais atenção de governos e, principalmente, investimentos. E um colega seu acrescentou que o episódio da busca na casa de Bolsonaro teria sido “desnecessário”. “Dobrou-se a aposta, dificultando um deal.” Mas foi o único averna decisão de Alexandre de Moraes uma escalada no conflito.

Enfim, oques e pode fazer para superar acrise? O opinião major itá riaéoa doque disse um general quatro estrelas. Para ele, “o Brasil não pode fazer ou deixar de fazer nada sob pressão do Trump”. Isso porque, quando se torna difícil dizer o que Trump pretende ou não fazer, a questão amazônica se transforma em algo “possível”.

O general ensina que o governo dos EUA – e os americanos em geral – acreditam que o “hemisfério ocidental” é sua “área de influência”. Esse sentimento estava adormecido porque os americanos estavam ocupados no mundo todo. Para o militar, quando “pretendem deixar de sera polícia do mundo, eles vão focar na sua ‘área de influência’”. E o “problema não é só a Amazô ni a,é o Brasil todo ”.