O GLOBO, n 32.344, 25/02/2022. Mundo, p. 21
FIM DO DIÁLOGO
Filipe Barini
RECONHECER SEPARATISTAS FOI SENHA DO CONFLITO
A crise entre Ucrânia e Rússia, que com a invasão de ontem se tornou a mais grave em solo europeu em mais de duas décadas, partiu de antigas divergências estratégicas entre Moscou e os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Conheça abaixo a origem da guerra e as opções que os países envolvidos têm daqui para a frente.
Qual é a origem da crise?
A Rússia e a ex-república soviética da Ucrânia vivem uma relação turbulenta desde a primeira década deste século, com a alternância em Kiev de presidentes favoráveis ao Ocidente e aliados de Moscou. Em 2013, por pressão da Rússia, o governo ucraniano desistiu de um acordo que poderia pavimentar a entrada do país na União Europeia. Isso levou a uma revolta nas ruas e à queda de Viktor Yanukovich, alinhado ao Kremlin.
Os anos seguintes foram marcados pela anexação pela Rússia da Península da Crimeia, sede da frota russa no Mar Negro; pelo conflito entre separatistas pró-Moscou e o Exército local no Leste ucraniano; e pela retomada da candidatura de Kiev a uma vaga na Otan. Em novembro de 2021, percebendo uma oportunidade nas dificuldades enfrentadas pelo governo de Joe Biden e suas divergências com os aliados europeus sobre como lidar com Moscou, Putin concentrou mais de 100 mil soldados na fronteira da Ucrânia, soando alarmes em Kiev, em Washington e na Europa de que estaria prestes a uma invasão, que ele negou até a semana passada, mas foi finalmente concretizada.
O que a Rússia queria?
Entre as “demandas de segurança”, apresentadas à Otan em dezembro, a Rússia exigia um veto permanente à entrada da Ucrânia na aliança. Putin critica a expansão da organização rumo às fronteiras russas, que vem desde o fim da União Soviética em 1991, e cita uma promessa feita por líderes dos EUA e da Europa, nos anos 1990, de que o “limite” da Otan seria a Alemanha então recém-reunificada, algo que Washington nega. Para Putin, as forças da Otan e dos EUA deveriam deixar os países do Leste europeu e suspender exercícios perto das fronteiras russas.
O que a Otan estava disposta a negociar?
Em sua resposta à Rússia, a Otan e os EUA deixaram claro os pontos eram inegociáveis: o veto à entrada da Ucrânia, que significaria o rompimento da política de “portas abertas”, e a retirada das forças do Leste europeu. A Rússia se declarou insatisfeita com as respostas, e acusou os EUA e a Otan de violar um pacto firmado em 1999 no âmbito de Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), no qual os países se comprometiam a não “fortalecer sua segurança à custa da segurança de outros Estados”.
Após várias reuniões entre Putin, o americano Joe Biden e líderes europeus como o presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz, o diálogo foi interrompido na última segunda-feira, quando o Kremlin reconheceu a independência das auto proclamadas repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk, no Leste da Ucrânia, comandadas por líderes próMoscou.
Quais são as opções da Otan após a invasão?
É consenso entre os países da Otan que a invasão é o pior cenário: afinal, não há disposição para enviar tropas para lutar contra a Rússia. Por isso, a prioridade é a aplicação de sanções, o que já vem sendo feito desde terça-feira. As medidas visam dificultar a negociação de títulos soberanos russos nos mercados internacionais e também punem líderes políticos e autoridades do governo e do Parlamento russos. Além disso, no maior golpe para Moscou, a Alemanha suspendeu o licenciamento do gasoduto Nord Stream 2, que forneceria gás russo à Europa através do Mar Báltico e foi concluído em setembro. Em termos militares, a aliança poderá agora ampliar o envio de armas a Kiev e fomentar grupos armados de resistência.
Quais são as opções da Rússia agora?
Ao anunciar a invasão da Ucrânia, Putin sugeriu que ela seria limitada às regiões comandadas por separatistas pró-Moscou no Leste do país, mas os alvos dos ataques foram muito mais amplos, atingindo instalações militares e estratégicas em várias cidades da Ucrânia, incluindo Kiev. Há agora muita especulação sobre até onde o presidente russo quer chegar e se pretende provocar a queda do governo pró-Ocidente ucraniano, substituindo-o por um aliado da Rússia. Segundo o porta-voz do Kremlin, para parar a guerra Moscou exige que a Ucrânia se declare neutra, desista de integrar a Otan e desmilitarize seu território.
Ao mesmo tempo, Moscou tem cartas na manga: as sanções econômicas do Ocidente podem ser respondidas com o corte no fornecimento de gás natural à Europa, ampliando a crise energética no continente. As reservas internacionais, de US $630 bilhões, também servem de colchão inicial às sanções.
Onde a Ucrânia entrava nas negociações?
As opções para a Ucrânia eram poucas. A entrada para a Otan, mesmo sem considerar a oposição de Moscou, é hoje improvável, resultado da pouca confiança nas autoridades em Kiev e do cenário estratégico regional. A promessa de fornecimento de armas se resume a equipamentos defensivos, e ontem o presidente ucraniano declarou que está “sozinho”. Enfrentar os russos no campo de batalha é difícil, dadas as diferenças entre os dois arsenais. Nesta semana, Putin já dissera que a desistência da Ucrânia em entrar na Otan e a adoção de um status de neutralidade pela ex-república soviética seria uma solução para a crise. A ideia, no entanto, enfrentava resistência em Kiev.