O GLOBO, n 32.344, 25/02/2022. Economia, p. 14
Pãozinho e carnes podem sofrer aumento de preços
João Sorima Neto e Ivan Martínez-Vargas
Rússia e Ucrânia são grandes exportadoras de trigo e milho, usado em ração de suínos e aves. Conflito prejudica fornecimento
Depois da invasão, a Ucrânia suspendeu todo seu transporte comercial marítimo. Com isso, os preços de trigo e milho dispararam nos mercados internacionais, o que terá impacto no bolso do consumidor brasileiro.
Rússia e Ucrânia são responsáveis por cerca de 30% do comércio global de trigo, e a alta dos preços pode afetar o custo do pãozinho, das massas e biscoitos que chegam à mesa dos brasileiros. Na Bolsa de Chicago, o preço do trigo saltou 5,65%, a US$ 934,75 o bushel (equivalente a 27,1 quilos), maior patamar em nove anos, segundo a Bloomberg.
Segundo relatos locais, há uma fila de cem navios presos na entrada sul do Estreito de Kerch, que conecta o Mar Negro ao Mar de Azov.
INTERRUPÇÃO LOGÍSTICA
O Brasil importa cerca de 6 milhões a 7 milhões de toneladas de trigo anualmente, o que corresponde a 50% do consumo nacional. A Rússia é a maior exportadora mundial de trigo, e a Ucrânia, a terceira.
— O Brasil importa trigo majoritariamente da Argentina. Mas os estoques mundiais do produto já diminuíram em 11 milhões de toneladas entre 2021 e 2022 (para 278 milhões) por conta de problemas climáticos nos EUA — explica Guilherme Bellotti, gerente da consultoria de agronegócio do Itaú BBA. — Com um conflito militar na Europa, teremos uma interrupção na cadeia logística, que vai afetar o mercado global, impactando o Brasil.
O milho, por sua vez, registrou alta de 1,32% em Chicago, para US$ 690,25 o bushel. A Ucrânia é responsável por 16% das exportações globais de milho, segundo relatório do Itaú BBA.
Para o analista Gustavo Troyano, do Itaú BBA, a fabricante de alimentos M. Dias Branco está entre as empresas mais expostas à alta dos preços do trigo, e a gigante de proteína animal BRF, à do milho, usado como ração para suínos e aves.
— O fluxo global desses grãos depende de Rússia e Ucrânia. Qualquer expectativa de interrupção na cadeia logística traz risco de escassez de matéria-prima e subida de preços —diz Troyano.
As ações da BRF recuaram 6,07% ontem, a R$ 17,34, e os papéis de M. Dias Branco caíram 3,62%, a R$ 22,89.
AMENDOIM NA PAUTA
Os fluxos comerciais do Brasil com a Rússia são mais intensos do que com a Ucrânia. Os russos venderam US$ 5,7 bilhões ao Brasil no ano passado, principalmente em fertilizantes. Já nós exportamos para eles US$ 1,6 bilhão, principalmente em soja, carne e café.
Com a Ucrânia, o comércio bilateral é reduzido. No ano passado, o fluxo comercial entre os dois países foi de US$ 438 milhões, com o Brasil registrando superávit de US$ 15,4 milhões. O principal produto vendido à Ucrânia é o amendoim: US$ 29,2 milhões em 2021.
O conflito preocupa os produtores de amendoim. Um dos maiores exportadores é a empresa paulista Beatrice Peanuts, que vende anualmente mais de 55 mil toneladas do produto. E já tem carga a caminho do Porto de Odessa, cidade tomada pelos russos.