O GLOBO, n 32.344, 25/02/2022. Política, p. 5

Lira e Malafaia cantam vitória após votação

Thiago Prado


Presidente da Câmara avalia que margem só não foi mais expressiva pelo horário; pastor não vê força para derrubar veto

Por trás da votação no plenário do projeto que legaliza os jogos no Brasil, ocorreu uma queda de braço entre dois importantes aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL): o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Os dois consideram que saíram vitoriosos na madrugada de quinta-feira.

Horas antes de o assunto entrar na pauta da Câmara, Malafaia gravou um vídeo acusando Lira e o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), de articularem uma legislação que o próprio Bolsonaro já disse publicamente que vetará caso seja aprovada no Congresso. Embora os evangélicos tenham sido derrotados no plenário, o pastor afirma que o placar de 246 a 202 permite projetar que os defensores do jogo em Brasília não têm fôlego para derrubar um veto do Planalto.

Lira discorda da análise. Considera que o texto foi apresentado muito tarde para os deputados e que “vários votos foram dormir” na madrugada. Em uma possível análise de veto, acha que encheria o plenário com quase todos os parlamentares e poderia reverter vários posicionamentos contrários ao projeto. O presidente da Câmara precisaria de 257 votos, ou seja, 11 a mais do que ontem, para vencer a disputa.

SENADO É INCÓGNITA

O que Lira não faz ideia é qual será a postura do Senado sobre o tema. Se o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tratará do projeto logo ou deixará para o segundo semestre. No ano passado, várias pautas aprovadas na Câmara demoraram a tramitar entre os senadores. Malafaia tem a seguinte tese sobre os próximos passos do debate sobre a legalização do jogo no Brasil:

— Existem 27 senadores candidatos à reeleição este ano, e ali a disputa é majoritária, ao contrário dos deputados. Quero ver eles brigarem conosco — afirma o líder evangélico, na mesma lógica argumentativa usada para aprovar a ida de André Mendonça para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF)

Foi justamente no tema nomeações para a Corte que Malafaia e Lira estiveram em lados opostos nos últimos dois anos. Enquanto o pastor trabalhou intensamente pela indicação de Mendonça em 2021, o presidente da Câmara atuou nos bastidores para derrotar o ex-ministro de Bolsonaro. Lira queria que o procurador-geral da República, Augusto Aras, assumisse a posição na Suprema Corte. O deputado e o senador Davi

Alcolumbre (DEM-AP) esperavam que Mendonça passasse pela sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas que fosse derrotado pelo voto secreto no plenário do Senado. Erraram. Malafaia ganhou a queda de braço, e o ex-ministro acabou nomeado para o STF.

Em 2020, o Centrão venceu Malafaia após a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Enquanto o pastor tentou emplacar no STF o então juiz (hoje desembargador) evangélico William Douglas, o lobby da política levou a melhor com Kassio Nunes Marques para a vaga no Supremo.

Outra disputa recente entre Malafaia e Lira buscou influenciar o tom do discurso presidencial sobre o combate à pandemia. O pastor estimulou várias declarações de Bolsonaro em defesa do tratamento precoce contra a Covid-19 e atacando a vacinação infantil. O presidente da Câmara criticou o Planalto por falas “sem base científica” e a lentidão do Ministério da Saúde na compra dos imunizantes. Bolsonaro seguiu o líder evangélico em muitos momentos da pandemia, mas este ano ouviu mais o Centrão e parou de se envolver em polêmicas. Só segue rejeitando a sugestão de Lira e Ciro Nogueira para se vacinar. A propósito, até Malafaia já se imunizou com duas doses.