O GLOBO, n 32.344, 25/02/2022. Economia, p. 11

ARRECADAÇÃO DE R$ 500 Bl NA MARRA

Manoel Ventura


PEC Obriga dono a pagar 17% do valor do imóvel na orla em dois anos

Uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara nesta semana obriga os donos de imóveis localizados nos chamados terrenos de marinha, à beira-mar —hoje ocupados em regime de aforamento —, a comprarem a parte remanescente da União. A maior parte dos imóveis com essa configuração fica no Rio.

Caso a proposta seja aprovada pelo Senado, os proprietários teriam que pagar, em até dois anos, 17% do valor do bem, percentual que cabe ao governo nesses imóveis, presente no Balanço Geral da União. Essa operação poderia render ao governo algo entre R$ 500 bilhões e R$ 1 trilhão.

Quem tem um apartamento à beira-mar de R$ 2 milhões, por exemplo, teria de desembolsar à União R$ 340 mil sob o risco de ficar inadimplente.

Além disso, a PEC transfere parte dos terrenos no litoral para estados e municípios e autoriza a regularização de terrenos irregulares, o que poderia favorecer a grilagem e a judicialização destes imóveis. Essa é a posição do secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, que em entrevista ao GLOBO afirma que a PEC irá criar uma judicialização do assunto, afetando os donos de cerca de 500 mil imóveis no país.

— A pessoa vai ter que pagar o valor do terreno em até dois anos. Na prática, a gente vai arrecadar esse meio trilhão na marra —disse.

Mac Cord defende que a compra dos imóveis não seja obrigatória, seguindo um instrumento que já existe hoje por meio de um aplicativo da Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

PROPOSTA DE 2011

Os imóveis construídos nesses terrenos têm escritura, mas a propriedade do imóvel é compartilhada entre a União e um particular (cidadão ou empresa). Isso é dividido na proporção de 83% do valor do terreno para o cidadão e 17% para a União. Por conta dessa divisão, ocupantes destes imóveis pagam, atualmente, duas taxas para a União: o foro e o laudêmio. A taxa de foro equivale a 0,6% ao ano sobre o valor do terreno. Já o laudêmio é de 5% sobre o valor do terreno, sendo cobrado apenas no caso de venda do imóvel.

A PEC acaba com os pagamentos das taxas, mas obriga os proprietários dos imóveis a comprarem a parte que cabe à União em até dois anos. Se não o fizerem, ficam inadimplentes com o governo.

Há ainda casos em que empresas não detêm percentual sobre o terreno, como no caso dos Terminais de Uso Privado de portos. Nesses casos, as empresas seriam obrigadas a comprar 100% dos terrenos, que são áreas imensas e teriam custos altos para as empresas.

—A gente entende o mérito que se tentou atingir, que é resolver um problema histórico. A questão é a forma como isso está sendo tratado —disse Mac Cord. — São cerca de 500 mil pessoas ou empresas no Brasil que vão ser obrigadas a arranjar uma fortuna, de no mínimo R$ 500 bilhões, para pagar ao governo federal. Algo que hoje pode ser feito, mas é opcional. A gente não pode obrigar a comprar.

A PEC tramita na Câmara desde 2011, mas avançou apenas nesta semana, após ser pautada pelo presidente Arthur Lira (PP-AL). A aprovação ocorreu na mesma semana em que a Casa aprovou a exploração de jogos de azar no Brasil, como cassinos.

O secretário explica que já é possível, hoje, fazer o que é chamado de remissão de foro. Isto é, comprar a parte da União e ser proprietário total do imóvel. Para ele, a transferência sem cobrança também não seria correta porque fere a propriedade da União e representaria uma baixa de pelo menos R$ 500 bilhões no balanço da União.

DEPUTADO DEFENDE PROJETO

Um dos problemas hoje é que a avaliação do imóvel precisa ser feita pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). O secretário defende que a precificação desse terreno seja feita com base na planta usada pela prefeitura para o IPTU. Para isso, seria necessária uma mudança legal — mas não uma PEC.

— É preciso que seja dada a possibilidade, de maneira simples, e com ova lorque a pessoa conhece. Com isso, a gente dá um desconto, que estamos propondo que seja de 50% — disse, salientando que com a PEC não haveria desconto.

A PEC ainda autoriza a transferência de terrenos de marinha da União para municípios com o objetivo de “expansão do perímetro urbano”. Quem não é inscrito na SPU, mas usa esses terrenos há cinco anos, também teria direito à remissão do foro. Isso, para Mac Cord, incentiva a grilagem.

Relator da PEC, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) rebateu as críticas. Ele disse que há “cortiços” por todo o litoral por falta de investimentos, que poderiam ser resolvidos com a PEC, e negou incentivos à grilagem.

— Todos os argumentos contra são absolutamente estapafúrdios. A PEC só quer regularizar e permitir que as pessoas tenham propriedade do que ocupam. Mas ela não permite qualquer estímulo à especulação imobiliária.

A PEC não acaba com o laudêmio revertido a descendentes da família imperial em Petrópolis. Esse laudêmio não tem relação com os terrenos de marinha.

Como a cidade tem como origem uma propriedade privada adquirida por Dom Pedro I e herdada por Pedro II, moradores do Centro da cidade pagam 2,5% em transações imobiliárias.

Com a recente tragédia provocada pelas chuvas, houve cobranças na cidade para que o dinheiro da taxa seja revertido para a reconstrução.