O GLOBO, n 32.344, 25/02/2022. Política, p. 4
SINAIS TROCADOS
Bruno Góes, Julia Lindner e Eduardo Gonçalves
Liderada por PP e PL, base ignora Bolsonaro e apoia em peso legalização dos jogos
A grande maioria dos deputados da base do governo votou a favor do projeto que legaliza os jogos no país, apesar de o presidente Jair Bolsonaro já ter anunciado que vetará a proposta, caso ela também passe pelo Senado. Após a aprovação, na madrugada de ontem, parlamentares admitiram, contudo, que o resultado refletiu a estratégia adotada pelo próprio titular do Palácio do Planalto durante a tramitação da matéria. Embora diga que vá barrar o texto, ele não lançou mão de todas as ferramentas de que dispõe para tentar derrubá-la no plenário da Câmara.
Mesmo depois de Bolsonaro declarar que não endossará a eventual decisão do Congresso, ministros trabalharam ativamente pela aprovação das mudanças na legislação. Além disso, a orientação formal que partiu da liderança do governo foi de liberar a bancada, de modo que cada deputado pudesse votar como quisesse. O P L, legenda que recebeu Bolsonaro no final do ano passado, fez o mesmo. Durante e depois da articulação, o presidente não adotou qualquer reprimenda aos aliados que contrariam seu posicionamento, tampouco os criticou.
O caminho tomado por Bolsonaro, pelo menos nas palavras do presidente, tem por objetivo atender a um pleito dos evangélicos, que historicamente fazem campanha contra a liberação dos jogos. No entorno dele, porém, sobram entusiastas da jogatina legalizada. O próprio senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) emite sinais difusos sobre o tema —o texto legaliza cassinos, bingos, jogo do bicho e as apostas online.
No partido do presidente, o resultado foi eloquente. Ao fim, 24 deputados do PL votaram a favor da proposta, 15 contra e três estiveram ausentes — um dos votos pró foi do líder da sigla, Altineu Côrtes (RJ). No PP, sigla de um dos maiores defensores da proposta, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a folga foi ainda maior: 34 a favor, um contrário e sete que não se posicionaram, entre ausências e abstenções. Ironicamente, até o PT contribuiu mais para a derrubada do texto do que a legenda do presidente: 35 integrantes da sigla de esquerda foram contrários e nenhum foi favorável ao projeto —18 não se manifestaram.
“ENTENDIMENTO DIFERENTE”
O resultado do painel da Câmara, 246 votos sim e 202 não, refletiu também a atitude do governo em plenário na madrugada de ontem. O vice-líder Evair de Mello (PP-ES) foi quem deu as cartas durante a sessão, porque o titular do posto, Ricardo Barros (PP-PR), não compareceu e sequer votou.
Nas últimas semanas, Barros discutiu detalhes do projeto com o relator, Felipe Carreras (PSB-PE), e trabalhou para a aprovação do texto.
— O governo libera a sua base, até porque tem partidos que têm entendimentos diferentes, e o presidente manterá sua prerrogativa de veto caso o projeto chegue à sua apreciação — discursou Evair de Mello em plenário.
Na Esplanada, ministros como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Gilson Machado (Turismo) articularam em favor da aprovação. Já os ministros Anderson Torres (Justiça) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) trabalharam no sentido contrário.
Pressionado por religiosos e parte de seu estafe, o presidente enviou uma mensagem pelo Whatsapp a aliados na véspera da votação, pedindo aos deputados que derrubassem o projeto.
“Atenção! O item número 2 da pauta de hoje será a legalização dos jogos de azar. Peço o voto contra tal projeto. Obrigado. Presidente Jair Bolsonaro”, dizia a mensagem.
Mas o desenrolar dos acontecimentos incomodou parte dos deputados religiosos. O líder da bancada evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ ), fez um agradecimento protocolar a Bolsonaro e centrou fogo em aliados do Planalto.
“Reconheço e agradeço o esforço do presidente Jair Bolsonaro na votação dos jogos de azar. Entretanto, ficou provado que o governo está minado ideologicamente, quando a liderança do governo libera na orientação de bancada. Mostra fragilidade de conceito ideológico! Lamentável!”, escreveu ele nas redes sociais.
Na mesma linha, o deputado Marco Feliciano (PL-SP), também evangélico e aliado do presidente, disse que reconhecia o “esforço” de Bolsonaro e creditou a derrotas às “falhas na articulação do governo”. A maioria da Frente Parlamentar Evangélica, formada por 114 parlamentares, fez forte oposição à proposta e tentou obstruir a sessão. Houve, no entanto, 15 votos favoráveis entre signatários do bloco. Já o Republicanos, que é ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), teve 9 votos favoráveis e 20 contrários.
RECUO PETISTA
O resultado poderia ser mais confortável para Lira e aliados se o PT tivesse alterado sua posição após o acolhimento de algumas demandas. Após a última rodada de conversas com líderes partidários, Felipe Carreras alterou trecho que trata da fiscalização dos jogos.
Em relatório preliminar, ele havia entregue ao Ministério do Turismo a prerrogativa de supervisionar e regular a atividade. Após pressão dos petistas, a atribuição foi dada a uma agência reguladora. O órgão a ser criado será vinculado ao Ministério da Economia. Mesmo assim, a bancada petista votou unida contra as mudanças na legislação.