O GLOBO, n 32.344, 25/02/2022. Mundo, p. 17

Russos foram surpreendidos por ataque e esperam guerra curta

Jussara Soares


“Temo que minha cidade se tome playground-de Putin: diz ucraniana em Moscou

Distantes 500 quilômetros da fronteira com a Ucrânia, moradores de Moscou acompanham pela TV as notícias do ataque ao país vizinho e se dividem sobre as consequências da ofensiva determinada pelo presidente Vladimir Putin. Enquanto moscovitas que não acreditavam em uma guerra agora apostam em um “conflito rápido”, ucranianos que vivem na cidade temem pelos bombardeios e a vida dos parentes.

—Temo que minha cidade natal se torne parte do playground de Putin —diz a ucraniana Galina, de 34 anos, que se mudou para Moscou em dezembro para trabalhar em uma empresa de tecnologia e que pede para não ter o sobrenome divulgado.

SEM TER PARA ONDE CORRER

Galina é de Severodonetsk, na região de Luhansk, Leste da Ucrânia, onde vive sua família. Ontem, ela conversou por telefone com a mãe e o marido, que foram acordados de madrugada pelos ataques. O medo imediato é que as janelas não suportem os bombardeios e fiquem expostos ao frio rigoroso.

—Em geral, ninguém quer falar muito sobre a situação. Todo mundo está perdido. Ninguém esperava que algo assim acontecesse. Mesmo depois dos conflitos de 2014, os atuais são uma grande e triste surpresa para todos — relatou Galina.

Neste momento, segundo ela, sua família permanece em casa, embora não consiga avaliar qual o risco é maior: ficar ou fugir.

—Meu maior medo é perder alguém da minha família, meus amigos ou meu cachorro em qualquer incidente militar. Eles não vão fugir, eles vão ficar. Agora toda a Ucrânia está sob ataque. Temo que não haja mais lugar para correr. Eu temo a guerra. Não é o que o povo ucraniano merece. Ninguém merece, na verdade. Eu pensei que as ações bárbaras de força bruta já haviam passado, mas vemos isso agora no centro da Europa. É inacreditável —lamentou.

Há dez dias, Lev Tkachenko, de 30 anos, gerente de projetos de uma empresa de tecnologia em Moscou, dizia não acreditar em uma guerra. Atribuía os alertas emitidos pelos EUA à “propaganda russofóbica”. Ao acordar ontem com as notícias, ficou surpreso. Contudo, ele ainda aposta que o conflito se encerrará em poucos dias.

—Não vou mentir, fiquei muito surpreso esta manhã. Ainda estou pensando, verificando diferentes fontes de notícias, não apenas russas, mas também ocidentais. Mesmo que eu não conheça toda a ideia por trás dessa decisão repentina, não estou com pressa de tomar nenhuma decisão. Vou esperar e ver o que acontece a seguir. Realmente espero que nenhum civil se machuque —disse Tkachenko ao GLOBO, por mensagem de texto.

O caso de Tkachenko é um exemplo da mudança no clima entre os moradores de Moscou que O GLOBO entrevistou na semana passada, durante a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia.

DEFESA DE PUTIN

Para o gerente de projetos, toda a ação se encerrará em poucos dias por causa da desvantagem do Exército ucraniano diante do russo. Até agora, ele diz estar confiante em que a Otan não enviará suas tropas, o que, para ele, torna a “possibilidade de uma grande guerra muito pequena” .

—Como disse nosso presidente, a ideia principal de toda essa operação é desmilitarizar a Ucrânia, removendo a ameaça de nossas fronteiras ocidentais. Depois disso, as tropas serão retiradas. E quanto às sanções, já nos acostumamos com elas há muito tempo —diz Tkachenko, que se identifica como conservador, mas não “pró-Putin”, embora o considere melhor que outras opções.

Embora não haja pânico em Moscou, muitas pessoas começam ir a bancos sacar dinheiro com receio dos efeitos econômicos. A intérprete Maria Basova, de 43 anos, disse que há medo da desvalorização do rublo, que ontem teve queda de 30%.

—Muitas pessoas já pensam em retirar dinheiro. Mas, por enquanto, muitas acreditam que tudo se encerrará e a Ucrânia vai se entregar.

A intérprete, que também relatou ao GLOBO há dez dias que não via o risco de uma guerra, afirma que a Rússia não tinha outra alternativa. Segundo ela, mesmo quem não é um apoiador do Putin defende a ação na região de Donbass, onde ficam as duas repúblicas separatistas pró Moscou cuja independência foi reconhecida pelo Kremlin no início desta semana.

—A Rússia não tinha outra saída porque o governo ucraniano violava constantemente os Acordos de Minsk e não parava de atirar nas regiões de Donetsk e Luhansk. São nossos irmãos que tínhamos que ajudar. Ninguém quer a morte de inocentes —diz.