O GLOBO, n 32.347, 28/02/2022. Economia, p. 10

BP vai se desfazer de fatia de 20% de estatal russa


 

Sob pressão do governo britânico, petrolífera deixará participação na Rosneft, rompendo relações de 30 anos. Impacto é estimado em US$ 25 bilhões. Fundo soberano norueguês anuncia venda de ativos da Rússia

Em um sinal claro de que a reação econômica dos países europeus ao ataque da Rússia na Ucrânia deve ir muito além de sanções financeiras e comerciais, a gigante do petróleo BP anunciou que vai se desfazer de sua fatia de 19,75% na petroleira estatal russa Rosneft. Sediada no Reino Unido, a BP estava sob forte pressão do governo britânico para abandonar o investimento desde quinta-feira, quando começou a guerra. Também ontem, o governo norueguês anunciou que seu fundo soberano, que investe recursos públicos do país em diferentes empresas pelo mundo e um dos maiores desse tipo, vai vender seus ativos russos.

A BP detém a participação na Rosneft desde 2013, e sua saída abrupta da companhia deve ter impacto de US$ 25 bilhões no desempenho financeiro da petrolífera britânica deste trimestre, que será divulgado no fim de maio. A estatal russa responde por cerca de 50% das reservas da petrolífera britânica e por um terço de sua produção.

OUTRAS PETROLEIRAS

O presidente-executivo da BP, Bernard Looney, renunciou “com efeito imediato” ao Conselho de Administração da Rosneft, assim como o diretor indicado pela BP, Bob Dudley. Looney estava no Conselho da empresa desde 2020, ao lado de seu presidente Igor Sechin, que é amigo próximo e aliado do presidente russo, Vladimir Putin.

Na sexta-feira, o secretário de Negócios do Reino Unido, Kwasi Kwarteng, conversou com o CEO da BP e o deixou “sem dúvidas sobre a gravidade das preocupações do governo sobre a superexposição da BP aos interesses russos”, segundo um funcionário do governo. No mesmo dia, o Conselho de Administração da BP se reuniu para debater o assunto. Ontem, houve uma nova reunião, antes do anúncio da decisão.

“O ataque da Rússia à Ucrânia é um ato de agressão que está tendo consequências trágicas em toda a região. A BP opera na Rússia há mais de 30 anos, trabalhando com brilhantes colegas russos. No entanto, esta ação militar representa uma mudança fundamental. Isso levou o Conselho da BP a concluir, após um processo completo, que nosso envolvimento com a Rosneft, uma empresa estatal, simplesmente não pode continuar”, disse o presidente do Conselho de Administração da BP, Helge Lund, em comunicado.

Não está claro se a BP vai vender sua participação ou simplesmente abandonar a companhia russa. O divórcio abrupto das duas petrolíferas marca o fim de um dos maiores investimentos do mundo ocidental na Rússia, visto como tão politicamente importante que Vladimir Putin e o então primeiro-ministro britânico Tony Blair compareceram à cerimônia de assinatura de uma parte fundamental do acordo, em 2003.

Os últimos resultados anuais da BP, publicados há duas semanas, revelaram que a Rosneft respondeu por US$ 2,7 bilhões (£ 2 bilhões) de seus lucros, cerca de um quinto do total. Além da participação direta na empresa, a BP atuava em outros segmentos no país.

Em comunicado aos funcionários, Looney disse que a decisão da empresa teria “consequências financeiras” no balanço do primeiro trimestre de 2022. Um porta-voz da BP afirmou que haverá uma baixa contábil de US$ 25 bilhões.

A cifra corresponde ao valor da fatia da BP na Rosneft (que era de US$ 14 bilhões no fim do ano passado) e a algumas perdas acumuladas desde 2013. Nos dois casos, o efeito é contábil. A BP também vai sair de outros negócios na Rússia, que incluem joint-ventures avaliadas em US$ 1,4 bilhão.

Em resposta ao anúncio britânico, a Rosneft disse que ele “destrói uma cooperação de 30 anos” entre as duas empresas. “A decisão foi tomada sob uma pressão de forças políticas sem precedentes”, disse a estatal russa no seu site.

A BP tem a maior atuação das gigantes de petróleo na Rússia, mas outras empresas no setor atuam no país, o que levanta dúvidas se elas seguirão o caminho da concorrente britânica. A francesa Total tem negócios em território russo que representam cerca de US$ 1,5 bilhão de seu fluxo de caixa ou cerca de 5% do total. A anglo-holandesa Shell tem fatia na estatal de gás russa Gazprom, e a americana Chevron atua no segmento de lubrificantes.

US$ 2,3 BI NA CARTEIRA

O governo norueguês também decidiu desinvestir na Rússia e iniciou um processo para retirar os ativos do país da carteira de seu fundo soberano. A Noruega é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar liderada pelos EUA que reúne 30 países.

O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Store. O fundo soberano norueguês é o maior do mundo e tem US$ 1,3 trilhão em ativos. Desse montante, US$ 2,3 bilhões são de ações que o país detém de 47 empresas russas e títulos do governo russo.