O GLOBO, n 32.348, 01/03/2022. Economia, p. 11

Desvalorização da moeda é a estratégia do Ocidente para isolar Putin



Ao atingir o banco central russo com sanções, segundo especialistas, líderes europeus e americanos miraram no que pode ser a maior fraqueza do presidente Vladimir Putin: a moeda do país.

Nas cidades russas, clientes ansiosos começaram a fazer fila no domingo em caixas automáticos, esperando para sacar o dinheiro que depositaram nos bancos, com medo de que ele acabasse. O pânico se estendeu na segunda.

Para tentar restaurar a calma, o Banco da Rússia publicou em sua página na internet: “O volume de cédulas para carregar os caixas automáticos é mais do que suficiente. Todos os recursos de clientes nas contas correntes estão integralmente preservados e disponíveis para quaisquer transações”.

Enquanto o valor da moeda cai, mais pessoas querem se ver livre dela por outra divisa que não esteja perdendo valor —e isso, por sua vez, faz com que a moeda se desvalorize ainda mais.

Na Rússia hoje, enquanto o poder de compra do rublo tem forte queda, os consumidores estão descobrindo que podem comprar menos com o dinheiro. Em termos reais, ficaram mais pobres. Tal instabilidade econômica pode provocar descontentamento popular e até inquietação.

“Se o povo confia na moeda, o país existe”, disse Michael S. Bernstam, pesquisador da Hoover Institution na Universidade de Stanford. “Se não confia, ele vira fumaça”.

Os EUA, a Comissão Europeia, o Reino Unido e o Canadá concordaram em remover alguns bancos russos do sistema internacional de pagamentos conhecido como Swift e a restringir o banco central russo de usar seu depósito de centenas de bilhões de dólares em reservas internacionais para minar sanções.

Retirar bancos do sistema Swift atraiu a atenção pública, mas as medidas contra o banco central tem potencial devastador. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, disse que iria “congelar transações” e “tornar impossível ao banco central a liquidação de ativos”.

“O movimento em relação ao banco central é chocante por seu caráter arrebatador”, disse Adam Tooze, diretor do Instituto Europeu na Universidade de Columbia.

O governo britânico baniu transações com o banco central russo, o ministério das Relações Exteriores e o fundo soberano. Porém, se os aliados impusessem um congelamento total da vasta quantidade de dólares, euros, libras e ienes nas mãos de russos, mas guardados em bancos ocidentais, isso poderia devastar a economia russa, causando uma espiral de inflação e uma severa recessão.

No centro do movimento de sanções contra o Banco da Rússia estão suas reservas cambiais. Uma quantidade gigantesca de ativos conversíveis —moeda e ouro — que a Rússia construiu, financiada em grande parte por meio de recursos da venda de petróleo e gás para a Europa e outros importadores de energia.

O motivo pelo qual os aliados têm tal vantagem se resume a uma realidade do sistema financeiro moderno: embora o banco central da Rússia tenha os ativos, ele não os controla. Como Bernstam explicou, o Banco da Rússia tem US$ 640 bilhões em reservas cambiais no papel. Mas uma grande parte do dinheiro está em bancos comerciais ou centrais em Nova York, Londres, Berlim, Paris, Tóquio e em qualquer outro lugar no mundo.