O GLOBO, n 32.348, 01/03/2022. Saúde, p. 19
É possível e suficiente vacinar 70% do mundo até junho?
Para especialistas, embora aumentar a imunidade globalmente seja essencial, o número não é alcançável nem significativo
Vacinar 70% da população em todos os países do mundo contra a Covid-19 até meados de 2022 tem sido o grito de guerra da Organização Mundial da Saúde (OMS) para acabar com a pandemia. Mas, recentemente, especialistas em saúde pública dizem que, embora aumentar a imunidade globalmente continue sendo essencial, o número não é alcançável nem significativo.
O objetivo sempre foi ambicioso: atualmente, apenas 12% das pessoas em países de baixa renda receberam uma dose, de acordo com Our World In Data. As metas anteriores estabelecidas pela OMS – atingir 10% até setembro de 2021, por exemplo – também foram perdidas.
A chefe de imunização da OMS, Kate O'Brien, disse que segue a meta de 70%, embora mesmo alguns países com muitas vacinas também tenham tido dificuldades para alcançá-la.
— Estamos pedindo que os países sejam sérios sobre suas ações para atingir essa meta—disse.
Gavi — parceira da OMS na iniciativa COVAX destinada a levar vacinas aos mais pobres do mundo — recuou do foco de 70% como parâmetro único.
Em uma reunião virtual na semana passada Aurelia Nguyen, diretora da COVAX na Gavi, disse que era importante “cumprir as metas que os países estabeleceram para si mesmos, seja de acordo com a meta de 70% da OMS, uma meta menor ou uma maior” .
As reservas sobre a meta de 70% são mais um sinal de que acabar com a pandemia globalmente pode ser um desafio mais complicado e mais longo do que muitos esperavam.
Documentos de uma reunião interna de alto nível da ONU realizada no início deste mês, revisados pela Reuters, mostraram oito países que eram extremamente improváveis de atingir a meta até junho de 2022 e foram identificados para “atenção imediata”: Afeganistão, República Democrática do Congo, Etiópia, Gana, Quênia, Nigéria, Serra Leoa e Sudão. Outros 26, incluindo Iêmen, Uganda e Haiti, também precisam de "apoio concentrado", disse o documento.
SEM NÚMERO MÁGICO
No entanto, segundo O'Brien, há um problema maior no qual a OMS está se concentrando:
—A questão é: com a Ômicron ainda afetando populações ao redor do mundo... 70% se mantém?
A meta nunca foi um "número mágico", disse ela, mas apenas uma avaliação de risco, algo a ser almejado que poderia, sob um olhar otimista, manter o vírus sob controle.
Mas novas evidências e a capacidade da variante Ômicron de infectar pessoas vacinadas ou previamente infectadas, sugerem que, esse nível de imunizados não será suficiente para impedir a propagação do vírus.
Portanto, segundo a chefe de imunização da OMS, a meta dos 70% teria que ser reavaliada. Por exemplo, estabelecer números mais altos entre os grupos de risco pode ser necessário para evitar hospitalizações e mortes.
Edward Kelley, ex-diretor de serviços de saúde da OMS, disse que a Ômicron eliminou a ideia de que 70% seria suficiente para gerenciar a transmissão.
— É claro que precisamos continuar aumentando os níveis de imunidade em todos os lugares.