O GLOBO, n 32.348, 01/03/2022. Economia, p. 14
Conflito piora inflação mundial e preocupa Guedes
Gabriel shinohara, Vitor da Costa e Letícia Cardoso
Trigo e milho sofrem forte alta, pois Ucrânia e Rússia são grandes fornecedores globais. Agronegócio brasileiro pode ter dificuldade para comprar fertilizantes russos, o que afetaria a safra. Gasolina e diesel no Brasil têm defasagem de preços
O ministro Paulo Guedes, afirmou ontem, em uma entrevista à Bloomberg em Nova York, que a invasão russa à Ucrânia começa a gerar fortes impactos na economia global:
— O mundo está em desaceleração sincronizada, a inflação está subindo em todo o mundo e isso pode só piorar o futuro da economia mundial.
O ministro ainda indicou que o caminho para que o conflito piore as finanças globais é a inflação:
—A Ucrânia é sobre grãos e a Rússia é sobre fertilizantes para o Brasil, mas nós estamos preocupados com a inflação global, então tem um impacto muito mais amplo porque nós estamos apenas começando a nos recuperar da pandemia, então não é nada bom para o mundo.
Rússia e Ucrânia estão entre os maiores produtores mundiais de grãos. Na Bolsa de Chicago, os contratos futuros do trigo para maio subiram 8,64%, cotados a US$ 9,340 o No mercado europeu, o preço do trigo fechou com novo recorde de € 322,50 por tonelada.
O professor de economia da FGV, Mauro Rochlin, chama a atenção que o trigo é usado como matéria-prima de alimentos importantes no Brasil, que compõem a cesta básica, como macarrão e pão.
—A commodity mais cara e o dólar subindo, isso leva os preços para cima —e acrescenta: — As sanções têm efeito bumerangue no mundo todo, com pressão inflacionária maior e, talvez, juros mais altos nos EUA, o que põe pressão para o Banco Central do Brasil elevar mais ainda a Selic.
Além disso, no Brasil haverá o impacto nos fertilizantes. As sanções à Rússia podem prejudicar as negociações de ureia e nitrato de amônia, usada para adubo, fazendo com que a oferta dos itens diminua e os preços aumentem, gerando altas indiretas em todo o agronegócio. Isso poderia ter impacto na safra.
— Se a guerra se aprofundar, teremos problema na safra de setembro porque 85% dos nossos fertilizantes são importados. Não acredito que faltará alimento no Brasil, mas veremos alta nos preços — analisa Welber Barral, sócio da BMJ Consultores.
Alguns argumentam que compradores internacionais podem trocar o fornecimento de milho, por exemplo, da Ucrânia para o Brasil. Mas Marcos Jank, professor de agronegócio no Insper, avalia que os prejuízos podem ser maiores que os benefícios. Para ele, a alta dos preços do milho eleva os custos no mercado interno, impactando produtores de proteína animal, que usam milho como ração de galinhas e bois, o que pode elevar ainda mais o preço da carne.
Na abertura dos mercados ontem, o preço da gasolina no Brasil estava defasado em 12% em relação ao valor no exterior, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom). A situação do diesel era semelhante, com defasagem de 11%. A defasa geme a turbulência aumentam a pressão por uma solução para os combustíveis.
Álvaro Bandeira (do banco digital Modalmais) ressalta que os efeitos para o Brasil devem ser mistos:
—O Brasil com uma tensão maior, acaba se beneficiando por um lado, porque as comodities vão subir. Mas, perde por outro, porque alguns produtos importados, como fertilizantes, trigo, petróleo, acabam ficando mais caros. Isso afeta a inflação e talvez obrigue o BC a ser um pouco mais rápido e forte na alta da taxa de juros.