O GLOBO, n 32.349, 02/03/2022. Economia, p. 12

Estrangeiro ficará livre de IR para títulos privados

Geralda Doca


Governo ainda estuda a compensação tributária de R$ 450 milhões anuais da medida, que deve ser lançada como parte do pacote de estímulo à economia em ano eleitoral, que já inclui corte do IPI, saque do FGTS e oferta de crédito

O governo federal quer isentar os investidores estrangeiros do pagamento de Imposto de Renda em títulos de empresas brasileiras, como debêntures, por exemplo, como antecipou o colunista do GLOBO Lauro Jardim. Atualmente, existe a incidência de 15% sobre os ganhos de capital nestas aplicações feitas por não brasileiros. O objetivo é incentivar o mercado de financiamento privado internacional.

Segundo integrantes da área econômica, a medida terá impacto de R$ 450 milhões por ano. Os técnicos buscam uma forma de compensação tributária para tirar esta isenção do papel, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal. O volume do corte em outras despesas, contudo, é considerado relativamente pequeno.

O assunto está em discussão na Casa Civil. A medida visa assegurar aos investidores estrangeiros isonomia tributária no pagamento do tributo. Atualmente, eles não pagam o Imposto de Renda em aplicações em ações e títulos da dívida pública, mas o imposto incide sobre títulos de empresas. Ou seja: se hoje um investidor estrangeiro compra títulos do Tesouro e obtém lucro, é isento do IR. Mas, se adquirir uma debênture de uma empresa brasileira e ganhar capital, pagará 15% sobre o acréscimo que obteve.

ENCONTRO COM INVESTIDORES

A isenção do imposto foi confirmada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em encontros com investidores nos EUA. O ministro aproveitou o feriado de carnaval para fazer uma turnê em Nova York e Miami para tratar da agenda de investimentos no Brasil. A expectativa do governo é que a medida possa aumentar o apetite de  estrangeiros em relação aos títulos brasileiros.

A medida, que deverá ser anunciada oficialmente depois do Carnaval, faz parte do pacote de ações para estimular a economia no ano eleitoral.

Dentro deste arsenal de medidas para aquecer a economia, devem estar ações de estímulo ao crédito para empresas de pequeno a médio porte, com potencial de chegar a R$ 100 bilhões. Para isso, serão usadas estruturas já montadas durante a crise para agilizar a concessão de crédito, como fundos garantidores, além da possibilidade de um novo saque do FGTS pelos trabalhadores, no limite de R$ 1.000.

Ainda está em estudo usar parte dos recursos do FGTS como garantia para pessoas ou empresas inadimplentes. As medidas visam melhorar o cenário econômico do país em ano eleitoral. A última pesquisa semanal Focus, coletada pelo Banco Central junto aos maiores agentes financeiros do país, estimou que o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano crescerá apenas 0,3%. A piora do cenário internacional, com a invasão russa à Ucrânia e as sanções econômicas contra Moscou, tornam o cenário internacional ainda mais turbulento e aumentam o risco inflacionário.

Além disso, o governo tinha no pacote o corte de 25% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) mas antecipou a medida na última sexta-feira, depois que a venda de produtos industriais tombou, enquanto consumidores e empresas aguardavam a redução tributária que já havia sido indicada por Guedes.

As medidas do pacote, contudo, são controversas. O uso do FGTS, tanto para o saque do trabalhador, como para a criação de um fundo garantidor para negativados, é criticado por representantes do setor da construção civil. O FGTS é fundamental para o financiamento da compra da casa própria, e há o temor de que, com estas novas modalidades de uso, sobrem menos recursos para obras.

Já o corte do IPI, que deve custar cerca de R$ 20 bilhões por ano, é contestado por estados e municípios, que terão de arcar com metade do valor—o restante deixará de entrar nos cofres da União. Políticos e empresários da Zona Franca de Manaus também são contra o corte, por reduzir a vantagem comparativa da região, livre de impostos.