VALOR ECONÔMICO, n 5420, 19/01/2022, Política, A8
Ciro troca ‘temperamento’ por ‘rebeldia’
Andrea Jubé
Para tentar neutralizar os rumores de debandada de aliados para o bloco petista, o PDT vai lançar a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República na sexta-feira, em Brasília. Criticado pelo temperamento muitas vezes explosivo, Ciro aparecerá com nova roupagem, agora travestido de “rebelde”, como resultado do trabalho do marqueteiro João Santana nos últimos meses.
“A rebeldia está a caminho”, diz a chamada para o evento nas redes sociais de Ciro e do PDT. Para tentar reverter a imagem de temperamental do pedetista, que assusta o mercado financeiro e espanta uma parcela do eleitorado, a aposta de João Santana foi reembalar o pré-candidato para tentar transformar o que seriam pontos negativos em qualidades.
Outra aposta do marqueteiro é na estética jovial, de olho num eleitorado que até agora, nas pesquisas, tem demonstrado inclinação pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em uma linguagem de videogame, as “lives” de Ciro Gomes no YouTube viraram “Ciro Games”. Nos “teasers” que já circulam nas redes sociais, de 20 segundos, surge um Ciro Gomes sorridente e descontraído, ao som de uma batida de rock’n roll. “Sou rebelde porque sinto esperança”, diz o trecho do “jingle” antecipado nas redes. “Um rebelde nunca cede, nunca perde”, prossegue a letra, em tom de determinação.
Uma liderança do PDT disse ao Valor que Ciro fará um discurso forte, mas deverá poupar ataques a Lula e ao presidente Jair Bolsonaro. Segundo esta fonte, neste momento, o alvo é o ex-juiz Sergio Moro (Podemos), que avançou sobre o pedetista nas pesquisas. Esse confronto já vem ocorrendo nas redes sociais: há uma semana o pedetista vem desafiando Moro para um debate sobre os problemas do país, mas o pré-candidato do Podemos não respondeu ao convite.
O lançamento da pré-candidatura de Ciro ocorre num momento em que o pedetista corre o risco de perder a liderança da terceira via na sucessão presidencial para Moro. Em alguns levantamentos, o ex-juiz aparece na frente de Ciro, fora da margem de erro, mas em outras sondagens ambos surgem tecnicamente empatados em terceiro lugar.
Na corrida contra Moro, que tem como principal bandeira o combate à corrupção, lideranças do PDT articulam um encontro entre Ciro e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, atualmente filiado ao PSB, e que se notabilizou pela atuação no julgamento do mensalão. Em conversas reservadas, Barbosa teria observado que Ciro Gomes é um “bom candidato” e tem a simpatia dele.
O ato do PDT vai contar com a participação do candidato derrotado a presidente em 2018, Cabo Daciolo, que chegou com pouco mais de 1% ao fim do primeiro turno naquele pleito, mas se tornou popular. No evento, Daciolo vai assinar a ficha de filiação ao PDT - ele é carta na manga para eventual postulação ao Senado pelo Rio de Janeiro.
No mesmo evento, o presidente nacional da sigla, Carlos Lupi será reconduzido para novo mandato, desta vez por mais quatro anos. Lupi comanda o PDT há 18 anos, desde a morte de Leonel Brizola em 2004.
“Converso todos os dias com os deputados, a maioria é presidente estadual do PDT, ninguém me falou em abandonar o Ciro. Isso é conversa dos petistas”, criticou Lupi.
Na mesma linha, o deputado federal e membro do diretório nacional do PDT, Mário Heringer (MG) diz que é preciso acabar com essa história de que Ciro vai desistir da candidatura. “Tem muito barulho em cima disso e quem pregava a divisão já saiu do partido”, diz Heringer, citando o deputado Túlio Gadêlha (PE). Em dezembro, ele se filiou ao Rede Sustentabilidade, após deixar o PDT.