O GLOBO, n 32.350, 03/03/2022. Política, p. 8
STF suspende mais uma ação penal contra Lula
Mariana Muniz e Aguirre Talento
Lewandowski afirma em liminar que compra de caças suecos ocorreu dentro dos “parâmetros da legalidade”. Plenário vai analisar se encerra definitivamente o processo, o último ainda em andamento contra o ex—presidente
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski trancou o processo no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era réu por supostos crimes cometidos na compra de 36 caças suecos Gripen —a aquisição foi efetivada no governo de Dilma Rousseff. Derivada da Operação Zelotes, a ação penal estava em andamento na Justiça Federal do Distrito Federal e era a última ainda em curso contra Lula.
O petista respondia, ao lado do filho Luís Cláudio Lula da Silva, por tráfico de influência em uma concorrência que resultou na compra de caças suecos Gripen NG pela Força Aérea Brasileira (FAB), em 2013. Para os investigadores, o ex-presidente teria negociado supostas vantagens indevidas para si em troca da assinatura do contrato que possibilitou a aquisição dos aviões militares. Para Lewandowski, a acusação não ficou comprovada.
“Não há como deixar de levar em conta a incontornável presunção de que a compra das referidas belonaves ocorreu, rigorosamente, dentro dos parâmetros constitucionais de legalidade, legitimidade e economicidade”, escreveu o ministro, acrescentando que, desde a assinatura do contrato, não houve contestação por parte dos órgãos de fiscalização, a exemplo da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União.
MENSAGENS COMO BASE
Esta é a primeira vez que um ministro do STF usou como base para uma decisão o conteúdo que veio à tona com o ataque hacker que expôs mensagens de procuradores da Lava-Jato, o que significa que a Corte deve analisar se essas mensagens podem ser usadas na defesa dos alvos da operação.
No despacho, ele analisou o conteúdo de conversas travadas entre membros da Lava-Jato de Curitiba e procuradores da República responsáveis pela denúncia da Zelotes contra Lula. Os diálogos foram tornados públicos por meio da Operação Spoofing. Para Lewandowski, a forma como o caso foi conduzido gerou “graves vícios que maculam as investigações”.
“Não é possível ignorar, pois, que os procuradores da República responsáveis pela denúncia referente à compra dos caças suecos agiam de forma concertada com os integrantes da Lava Jato de Curitiba, por meio do aplicativo Telegram, para urdirem, ao que tudo indica, de forma artificiosa, a acusação contra o reclamante”, afirmou.
A decisão de Lewandowski foi tomada em um pedido apresentado no mesmo processo do STF em que o ministro concedeu a Lula acesso às mensagens hackeadas dos celulares de membros da Lava-Jato no Paraná. O despacho, que tem caráter liminar, vale até que o STF julgue um pedido da defesa de Lula para encerrar a ação penal em definitivo.
“REGISTRO HISTÓRICO”
No fim de janeiro, a Justiça Federal já havia decretado a prescrição do caso do triplex do Guarujá, a primeira denúncia da Lava-Jato contra Lula. O ex-presidente chegou a ser condenado em três instâncias em função do caso, responsável por levá-lo à prisão, mas esta e outras condenações foram anuladas no STF, que considerou que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro correto para os julgamentos. Posteriormente, a Corte também decidiu que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial ao condená-lo no caso do triplex.
Em nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska T. Zanin Martins, responsáveis pela defesa de Lula, afirmaram que a decisão representa “um importante registro histórico sobre o uso estratégico do direito para fins ilegítimos (lawfare), que foi praticado pela operação Lava-Jato, que atacou o próprio estado de direito e feriu a democracia no país”.