O GLOBO, n 32.350, 03/03/2022. Economia, p. 12

Governo teme falta de fertilizantes para próxima safra de grãos

Eliane Oliveira, Gabriel Shinohara e André de Souza


Ministra da Agricultura alerta para alta de preços dos alimentos, como soja e milho, com a invasão da Ucrânia

Governo e representantes do agronegócio estão preocupados com o fornecimento de fertilizante para a próxima safra de grãos, com a invasão da Ucrânia, por causa da alta dependência brasileira aos fertilizantes vendidos por Rússia e Bielorrússia, que respondem por 30% do consumo. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, alertou para a alta dos preços dos alimentos adiante, com insumos mais difíceis de encontrar e mais caros.

— Isso tudo (a alta no preço dos alimentos) depende. Isso tudo depende, se a guerra acaba hoje ou amanhã, é um impacto, se continuar por muito tempo, é outro — afirmou Teresa Cristina na noite de ontem, em Brasília.

—O preço (dos alimentos) a gente acha que terá alta sim. Quanto? A soja já subiu, já caiu um pouco, o milho já subiu, já caiu um pouco. Isso é uma commodity. A gente tem que acompanhar e diminuir os impactos que poderão ter (nos preços).Os preços dos alimentos estão subindo em todo o mundo, pois Ucrânia e Rússia são grandes fornecedores globais de grãos. Além disso, há o risco de escassez de fertilizantes pelo planeta, produto que também são importantes na região. E, por último, ainda há o impacto do dólar, cuja cotação sobe em momentos de turbulências e incertezas.

A ministra afirmou que foi elaborado no último ano um Plano Nacional de Fertilizantes com o objetivo de diminuir a dependência brasileira da importação desses produtos.

De acordo com Tereza Cristina, o plano deve ser apresentado este mês com o objetivo de ter 50% ou 60% de produção própria. Segundo ela, o Brasil teria potássio, fósforo e poderia ser produtor de ureia e sulfato de amônia.

—Tínhamos que fazer uma política nacional para mudar a dependência das importações, nós não vamos ser autossuficientes, mas mudar essa matriz —disse.

CANADÁ E CHILE

A ministra afirmou que busca por outros parceiros como o Chile, no caso do potássio, e países do Oriente Médio, como Qatar e Arábia Saudita, que têm disponibilidade de nitrogenados como a ureia.

Já representantes do agronegócios indicam que um dos caminhos é buscar suprimento do Canadá, mas diversos países tentam essa solução e o preço deve subir. Outra opção seria buscar fertilizantes na Jordânia, mas o Brasil ainda não tem acordo com este país.

Ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues destacou que o Brasil importa 95% do potássio que consome internamente, dos quais 20% vêm da Bielorrússia e outros 30%, da Rússia.

—Tudo depende de quanto tempo vai demorar a invasão, o embargo em portos russos, os navios que vão chegar... Enfim, não há nenhuma segurança em relação ao abastecimento de potássio da Rússia —disse Rodrigues.

Pedro Camargo Netto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, afirmou que ainda é difícil avaliar o cenário, devido à guerra, mas prevê um impacto significativo para o agronegócio.

Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse que os produtores estavam deixando para negociar as compras de fertilizantes com seus fornecedores a partir do segundo trimestre por duas razões: os altos custos dos produtos desde o ano passado, e a tendência de queda de preços de alguns itens, como a ureia.

—Com esse problema maior, o produtor está revendo sua estratégia —afirmou.

TERRA INDÍGENAS

Ontem o presidente Jair Bolsonaro usou a guerra e o risco de faltar fertilizantes no Brasil para defender um projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas. Apesar de ter escrito apenas sobre o potássio, o projeto apresentado por Bolsonaro em 2020 “permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas”.