Valor Econômico, v. 22. n. 5420, 19/01/2022, Opinião, A10 

Cenário para a economia continua a se deteriorar 
 

Em 2021, pela primeira vez durante o período pós-plano Real todas as aplicações financeiras - ao menos as regidas e fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC) - não conseguiram superar a inflação, que voltou aos dois dígitos. Poderia ser um retrato pontual de um momento ruim, mas 2022 começa com perspectivas igualmente ou mais desafiadoras para a economia brasileira - e consequentemente para os poupadores.

O ano sabidamente será marcado pela disputa eleitoral, que tradicionalmente põe os agentes do mercado em posição defensiva, e já começou com os investidores sendo também lembrados sobre a expectativa cada vez mais consolidada de que o Fed, o banco central americano, deverá subir as taxas de juros antes do esperado. Uma péssima notícia para os países emergentes, como o Brasil. Por causa disso, logo nos primeiros dias do ano o dólar chegou a superar os R$ 5,70 - embora tenha recuado um pouco agora - e os juros já subiram no mercado futuro. 

Também na segunda-feira passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou artigo ressaltando que a mudança no sentimento do mercado em relação à inflação dos Estados Unidos e a reação sinalizada pelo Fed tornam ainda mais incertas as perspectivas para os emergentes. E que esses países “podem precisar reagir puxando várias alavancas”. 

As estimativas para a atividade econômica este ano continuam a se deteriorar. As estimativas dos economistas do mercado captadas pelo sistema Focus do Banco Central, que começaram o ano em parcos 0,42% já caíram para 0,29%. O desarranjo macroeconômico, que já vinha sendo gestado em nível global pela pandemia, foi duramente agravado internamente pelos atropelos fiscais vistos em 2021. 

Há apenas um ano, taxas tão altas de inflação e de juros, pareciam fora do radar. O primeiro boletim Focus de 2021 dava conta de uma projeção de apenas 3% para a taxa Selic no ano passado. A visão preponderante era a de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) iria subir a talvez 6% ou até 8% em meados do ano e depois voltar a cair para 3,32%. A realidade mostrou que a inflação oficial virou o ano rodando a 10,06% e a Selic ajustada para 9,25%. 

Para este ano, os economistas já preveem a taxa básica de juro a 11,75%, como mostra o Focus. Na primeira semana do ano, ainda era 11,5%, o que mostra que as expectativas continuam com sinal negativo. A inflação projetada já é de 5,09%, metade da do ano passado, mas ainda alta e acima da meta do Banco Central. Alguém sempre poderá alegar que assim como errou muito ao prever os números do ano passado, os economistas do mercado poderiam estar enganados em relação a 2022. No entanto, para o investidor e para as chamadas condições financeiras, que acabam tendo impacto na economia real, as expectativas são determinantes. 

Além disso, a subida do juro promoveu uma alta do custo de capital e já minou o bom momento que atravessava o mercado de ofertas de ações e novas listagens de companhias na bolsa. Boa parte destas em busca de recursos para investir em novos negócios ou ampliação dos que já existem, o que promove um ciclo salutar e de amadurecimento da economia, com mais recursos aplicados no setor produtivo. 

Com a Selic caminhando para os dois dígitos, empresas e investidores tornam a se voltar para a renda fixa, sobretudo os títulos públicos, que não estimulam a produção. Mas a inflação ainda paira no horizonte como ameaça. 

O cenário para o investidor, como se vê, não é trivial per se, e pode se tornar ainda mais incerto quando entrarem em pauta as discussões sobre o futuro das políticas econômica e fiscal. O teto de gastos, como se viu nos últimos meses, virou uma palavra mágica e chave para os investidores. Discursos e ações que demonstrem descaso com a responsabilidade fiscal tendem a causar novos solavancos no mercado. 

As contas públicas e a inflação devem ser os temas dominantes do ano. Mas pior do que para o investidor, a manutenção da alta de preços e a desconfiança causada por eventuais mudanças no arranjo fiscal serão mais penosas para a população mais pobre. Sem que as perspectivas para a economia brasileira melhorem, e as empresas voltem a ver ambiente e motivos para expandir seus negócios e investimentos, a recuperação dos empregos e renda perdidos durante a pandemia - e antes dela - ficarão cada vez mais distantes.