O GLOBO, n 32.350, 03/03/2022. Mundo, p. 15

Moscou muda tom e já reconhece Zelensky como líder



Delegações russa e ucraniana retomam hoje negociações para cessar—fogo; Lavrov reitera exigência de desmilitarização

Em uma mudança de tom da liderança russa, o chanceler do país, Sergei Lavrov, disse ontem que reconhece Volodymyr Zelensky como presidente da Ucrânia, e que o fato de ele querer obter “garantias de segurança” nas negociações com a Rússia é um “passo positivo”. Até agora, o Kremlin vinha pedindo o que chama de “desnazificação” do governo ucraniano e, na semana passada, o presidente Vladimir Putin chegou a instar os militares ucranianos a derrubarem o governo de Zelensky porque, segundo ele, isso tornaria mais fáceis as negociações.

— Nossos negociadores estão prontos para a segunda rodada de discussões dessas garantias com representantes ucranianos — disse Lavrov à emissora al-Jazeera, no mesmo dia em que foi anunciado que a nova reunião seria hoje, e não ontem, como previsto.

O principal negociador russo, Vladimir Medinsky, disse que, na reunião de hoje, seu país discutirá um cessar-fogo com a Ucrânia. Segundo a agência de notícias russa Tass, o Exército forneceu um corredor de segurança para a delegação ucraniana. O ponto de encontro fica perto da fronteira entre a Bielorrússia e a Polônia.

Na mesma entrevista à alJazeera, Lavrov afirmou que Moscou “continua comprometida com a desmilitarização da Ucrânia” e que deveria haver uma lista de armas específicas que nunca poderiam ser instaladas em território ucraniano. Desde o início da crise, a Rússia exige que Kiev adote um status neutro e abra mão de aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar liderada pelos EUA.

Nunca ficou claro se a exigência de desmilitarização significa que a Ucrânia não poderia ter Forças Armadas ou se poderia manter forças defensivas.

BENNETT E MODI

Do lado ucraniano, o governo também confirmou que uma delegação do país estava indo à Bielorrússia para a segunda rodada de negociações. A primeira, na segunda-feira, não teve resultados concretos.

Anteontem, Zelensky afirmou que a Rússia precisava parar de bombardear cidades para haver diálogo.

— Primeiro precisamos tentar prever se os negociadores ucranianos vão aparecer ou não, vamos torcer para que isso aconteça —disse.

A mudança de tom de Moscou aconteceu no mesmo dia em que Putin conversou por telefone com dois aliados: Israel e Índia. Segundo um comunicado do Kremlin, Putin e o primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, discutiram a operação militar em conversa iniciada pelo lado israelense. Putin disse a Bennett que levar em conta os interesses de segurança de Moscou estava entre as principais condições para resolver o conflito. Os dois líderes concordaram em continuar os contatos.

Como premier da Índia, Narendra Modi, o presidente russo teria tratado da retirada de cidadãos indianos da Ucrânia, segundo a agência Tass. Na semana passada, a Índia se absteve na votação de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, vetado pela Rússia, que condenava as ações de Moscou na Ucrânia.

Ontem, Nova Délhi voltou a se abster em outra resolução da ONU que exige a retirada imediata das tropas russas da Ucrânia.