O GLOBO, n 32.350, 03/03/2022. Mundo, p. 15
REPÚDIO INTERNACIONAL AMPLO A PUTIN NA ONU
Camila Zarur e Eliane Oliveira
Em uma contundente rejeição internacional à invasão da Ucrânia por tropas russas na semana passada, na maior agressão de um Estado a outro na Europa desde a Segunda Guerra, a Assembleia Geral da ONU condenou ontem a Rússia pelo ataque por 141 votos a favor — incluindo o do Brasil — e só cinco contra, além de 35 abstenções. A resolução exige a retirada imediata das forças russas.
A condenação a Moscou reuniu mais de dois terços dos 193 membros da ONU, representados na Assembleia Geral. Na votação anterior envolvendo outra ação militar russa na Ucrânia, a anexação da Península da Crimeia, em 2014, foram 100 votos pela condenação, um pouco mais da metade. As resoluções da Assembleia Geral não são vinculantes, mas a forte condenação tem peso político.
O texto da resolução “deplora nos termos mais fortes a agressão da Rússia contra a Ucrânia” e exige que a Rússia “cesse imediatamente seu uso da força contra a Ucrânia”, além da “retirada imediata, completa e incondicional de todas as suas forças militares”.
O embaixador da União Europeia na ONU, Olof Skoog, disse ao final da votação que o resultado mostra que “o mundo está com a Ucrânia” e o “isolamento” da Rússia.
— Trata-se da escolha de tanques e mísseis ou diálogo e diplomacia —afirmou. —A Rússia optou pela agressão. O mundo, pela paz.
Além da Rússia, os países que votaram contra a resolução foram: Bielorrússia, Síria, Eritreia e a Coreia do Norte. Na votação, entre as 35 nações que se abstiveram, estão China, Índia, África do Sul —parceiros de Moscou no Brics — Irã e Cuba. A Carta da ONU só admite guerras em legítima defesa contra um ataque ou com autorização do Conselho de Segurança da organização.
BRASIL CRITICA RESOLUÇÃO
A resolução ainda “lamentou” a decisão da Rússia “relativa ao estatuto de certas áreas das regiões de Donetsk e Luhansk da Ucrânia como uma violação da integridade territorial” ucraniana, referindo-se ao reconhecimento, em 21 de fevereiro, da independência das autoproclamadas repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk, no Leste ucraniano, pelo presidente russo, Vladimir Putin.
O reconhecimento foi a senha para a invasão três dias depois, sob a alegação de proteção das populações das regiões. Os separatistas pró-Moscou ocupam um terço de Donetsk e Luhansk, onde desde 2014 travam uma guerra com o Exército ucraniano que já deixou 15 mil mortos. Os Acordos de Minsk, assinados em 2015 para pôr fim ao conflito, foram desrespeitados pelos dois lados. A resolução exige que a Rússia “reverta imediata e incondicionalmente” o reconhecimento.
O posicionamento do Brasil a favor do texto se deveu, principalmente, ao aumento da intensidade dos bombardeios russos e à pressão internacional sobre o governo brasileiro. O embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Costa Filho, já havia condenado a invasão russa na sexta-feira, em votação no Conselho de Segurança, do qual o Brasil é membro não permanente.
Apesar do apoio à resolução, Costa Filho fez um discurso duro em que lamentou que o papel da ONU “tenha sido deixado de lado na ânsia de apontar culpados”. O diplomata afirmou que a condenação não é suficiente para resolver o conflito e que “o fim das hostilidades é apenas um primeiro passo para alcançar a paz”.
—A resolução adotada não é suficiente para destacar que o fim das hostilidades é apenas um primeiro passo para alcançar a paz. A paz sustentável precisa de passos adicionais. Nesse sentido, é lamentável que o papel de apoio que as Nações Unidas podem e devem desempenhar tenha sido deixado de lado na ânsia de apontar culpados —disse ele.
SANÇÕES E ARMAS À UCRÂNIA
O embaixador defendeu a diplomacia como caminho para a paz de forma duradoura e também criticou a aplicação de sanções indiscriminadas e o envio de armas à Ucrânia por países do Ocidente.
— Sim, a resolução é um apelo à paz da comunidade internacional. Mas a paz exige mais do que o silêncio das armas e a retirada das tropas. O caminho para a paz requer um trabalho amplo sobre as preocupações de segurança das partes — disse o brasileiro. — Esta resolução não pode ser vista como permissiva à aplicação indiscriminada de sanções e ao envio de armas. Essas iniciativas não conduzem à retomada adequada de um diálogo diplomático construtivo e correm o risco de aumentar ainda mais as tensões com consequências imprevisíveis.
Costa Filho reafirmou que a posição do Brasil continua a ser o diálogo diplomático como solução do conflito e pediu que as partes envolvidas atenuem as tensões e voltem seus esforços para chegar a um acordo negociado entre Rússia e Ucrânia.
Na sexta-feira, a Rússia foi o único país a votar contra o texto similar no Conselho de Segurança —por ser um dos cinco membros permanentes, ela tem poder de veto. Com isso, o tema foi levado à Assembleia Geral. Na resolução de ontem, os países também condenaram a Bielorrússia, aliada de Putin, “lamentando o envolvimento do país neste uso ilegal da força contra a Ucrânia e instando o país a respeitar suas obrigações internacionais”.