Valor Econômico, v. 22. n. 5421, 20/01/2022, Brasil, A5
Rio e Tesouro adiam decisão e Castro diz que há divergências
Estevão Taiar, Gabriel Vasconcelos e Marta Watanabe
O governo do Rio e o Ministério da Economia vão realizar nova reunião em 15 dias para tratar da adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Ontem o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniram para debater o assunto, mas não houve decisão.
“Vamos chegar ao denominador comum”, disse Castro depois do encontro, realizado no Ministério da Economia. “Foi uma conversa em que todos demonstraram boa vontade. Não foi uma conversa de briga, foi de entendimento.”
De acordo com o governador, há sete pontos sobre os quais governo estadual e governo federal discordam. Castro não detalhou quais são esses pontos, mas disse que existe “grande boa vontade” para que sejam superados. Segundo o governador, as duas partes concordam em 70% do que foi debatido. “Esses [pontos] talvez sejam os últimos 20%, 30%”, disse.
Embora Castro não tenha detalhado os pontos de atrito, um deles é o fato de o plano do Estado prever o triênio, espécie de adicional de salário concedido a cada três anos para os servidores. Questionado sobre o assunto, Castro afirmou que o plano original apresentado pelo Estado extinguia o benefício “para todos”. Mas a Assembleia Legislativa considerou que “a lei não era clara” e vetou o triênio apenas para novos servidores.
Caso fique fora do RRF, o governo do Rio de Janeiro poderá ter que pagar somente neste ano R$ 24 bilhões em dívidas com a União. O plano de recuperação fiscal prevê um pagamento total de R$ 78 bilhões em dez anos.
Para o economista e consultor Raul Velloso, especialista em contas públicas, “não há santo” no imbróglio entre o Rio e o Tesouro e qualquer que seja a saída (técnica, política ou judicial) pouco servirá para solucionar o problema fiscal do Estado. O debate, diz Velloso, se dá em cima de “miudezas”, graças à natureza do RRF, que oferece um alívio momentâneo a seus frequentadores, mas peca por não atacar de frente o maior problema desses entes: os déficits financeiros das previdências de governos estaduais e municipais, hoje superior a R$ 100 bilhões a cada ano.
Velloso diz que era previsível que a burocracia do Tesouro questionasse os reajustes dado a servidores e a capacidade do Estado de realizar as receitas projetadas no documento. Ele insiste que estes são pontos periféricos para o saneamento fiscal do Estado, que passa pela questão previdenciária, mesmo o Rio tendo feito uma elevação na alíquota dos servidores.
Ante o ceticismo dos técnicos, os Estados, que “não são bobos”, diz Velloso, passaram a se calçar em liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que permitem a suspensão do pagamento da dívida, situação que lhes é interessante na prática, por liberar espaço fiscal. Velloso destaca a fragilidade e inocuidade dessa situação para a solução estrutural do problema.
Para a economista Sol Garson, também especialista no assunto, o plano de recuperação do Rio se baseia na ideia de que a economia do Estado do Rio precisa ser fortalecida para geração de maior receita tributária e por isso a estratégia é realizar investimentos. Isso geraria maior dinamismo da economia, num ciclo virtuoso que traria aumento de arrecadação. O plano é feito, portanto, diz ela, prevendo aumento representativo nos investimentos do Estado, mas metade dos recursos que garantiriam esse gasto viria de receita de securitização de dívida ativa.
Mas essa geração de receita é considerada sujeita a riscos de condições de mercado, segundo nota técnica do próprio governo, diz Garson. As receitas totais do Rio, acrescenta, foram muito influenciadas nos últimos anos por receitas extraordinárias e é preciso um estudo mais aprofundado disso para se projetar as receitas dos próximos anos. Além disso, diz Garson, o plano não apresenta quais seriam os critérios para seleção dos investimentos de forma a garantir a essencialidade dos projetos ou o maior dinamismo econômico do Estado.