O GLOBO, n 32.351, 04/03/2022. Economia, p. 12
Guerra da Ucrânia faz dona de Adria e Piraquê perder R$ 715 milhões
Empresas expostas à variação de preço de “commodities” agrícolas, como trigo, sentem impacto em valor de mercado na Bolsa
Empresas listadas na Bolsa que são mais dependentes de commodities agrícolas já sentem o impacto da guerra da Ucrânia. A fabricante de massas e biscoitos M. Dias Branco, dona das marcas Adria e Piraquê, por exemplo, já perdeu R$ 715,8 milhões em valor de mercado desde que a Rússia decidiu invadir o país, segundo dados da Economática. Ontem, as ações recuaram 2,22%, a R$21,63.
A perda de valor é influenciada pela escalada do trigo no mercado internacional. A
commodity negociada na Bolsa de Chicago renovou suas máximas em 14 anos nesta semana. Rússia e Ucrânia são grandes players no mercado global de grãos. Juntos, respondem por 31% do mercado de exportações de cevada, 29% do de trigo e 19% do de milho, de acordo com relatório do BTG Pactual. Analistas calculam que o trigo deve ter respondido por 48% do custo de produto vendido pela M. Dias Branco no ano passado.
“A pressão de custo adicional deve atingir a empresa em um momento em que ela está enfrentando sua própria dose de desafios de baixo para cima, incluindo uma erosão sem precedentes da participação de mercado e um ambiente competitivo e de consumo difícil que está desafiando o repasse de custos para recompor as margens”, disseram os analistas Thiago Duarte, Henrique Brustolin e Pedro Soares.
A disparada do preço do trigo vai começar a se refletir no atacado no mercado doméstico nas próximas semanas e deve ser repassado ao consumidor, segundo analistas. Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), do Esalq/USP, mostram que o preço do trigo no Paraná tem oscilado nos últimos cinco dias entre US$ 334 e US$ 336 por tonelada — patamar que não era alcançado desde o dia1ºdejul hode 2014, quando chegou a US$ 336,88.
— Demora alguns dias até os negócios começarem a acontecer novos parâmetros e então impactar o mercado interno, mas o contexto é de alta influência—disse Lucilio Alves, professor da Esalq/US e pesquisador do Cepea.
Em relatório, a XP avalia que a Ambev pode ter suas margens do próximo ano pressionadas pelos impactos da inflação causados pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Desde o início da guerra, a empresa perdeu R$ 9,9 bilhões em valor de mercado. Ontem, os papéis fecharam a R$14,18, com baixa de 2,34%.
No setor de proteína animal, o impacto seria limitado. Entre as empresas, a Minerva é a que teria, segundo analistas, maior exposição na região, mas a demanda chinesa permitiria à empresa redirecionar o volume a outros mercados.
“Para as empresas do agronegócio, o ponto a ser observado é o fornecimento de fertilizantes e como as restrições de comércio/produção na Rússia e na Europa podem refletir nos preços e na disponibilidade geral do produto. [...] Mas as empresas estão pelo menos preparadas para capturar preços mais altos de commodities que devem ajudar a compensar as pressões de custo ”, diz o BTG, em relatório.
Para a XP, a BRF deve ser a mais afetada devido à exposição aos preços de soja e milho. Desde o início do conflito, a empresa já perdeu R$ 2,6 bilhões em valor de mercado. Ontem, os papéis recuaram 3,3%, a R$16,02. As margens já vinham sendo pressionadas desde o ano passado com o aumento do preço dos grãos.
Segundo André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Ibre/FGV, os preços de milho, soja e trigo já vinham em alta em razão do aumento da cotação internacional e dos efeitos sobre as safras com a seca no Sul.
— As sanções vão durar mais que a própria guerra. E a duração desses efeitos é o que vai prejudicar as cadeias produtivas e forçar o aumento de preços. É provável que o efeito perdure por muitos meses.
O J.P.Morgan revisou sua projeção para a inflação deste ano de 5,6% para 6%, considerando commodities e impactos nas cadeias de suprimento global.