Valor Econômico, v. 22. n. 5422, 21/01/2022, Brasil, A4

Anvisa aprova Coronavac para faixa de 6 a 17 anos
Murillo Camarotto

 

Em uma reunião marcada por duras críticas ao governo, a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem a extensão do uso da Coronavac em crianças e jovens com idade entre 6 e 17 anos.

A decisão, unânime, seguiu a recomendação da área técnica da agência, que preferiu deixar de fora o público menor de 6 anos. O pedido original do Instituto Butantan contemplava crianças a partir dos 3 anos de idade.

A mudança foi justificada pela ausência de estudos suficientes para garantir a segurança e a eficácia da vacina nessa faixa etária. A eventual liberação da Coronavac para esta faixa etária só poderá ocorrer mediante um novo pedido por parte do Butantan.

Diferentemente da Pfizer, que desenvolveu uma vacina específica para crianças, no caso da Coronavac será usado o mesmo produto, com a mesma dosagem e com o mesmo intervalos entre as duas primeiras doses: 28 dias.

Durante as mais de três horas de reunião, diretores e técnicos da Anvisa não pouparam críticas ao governo. Logo na abertura, o presidente da agência, Antônio Barra Torres, classificou de “criminosa” a divulgação de notícias falsas, como a de que a chegada de novas variantes, supostamente menos severas, poderia representar o fim da pandemia.

“Ainda há pessoas dizendo que a chegada de novas variantes sinaliza o fim de pandemia. Os números não dizem isso. É criminoso buscar difundir mentiras”, afirmou Barra Torres após mencionar o crescimento das internações de crianças em São Paulo.

Semana passada, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a variante ômicron seria “bem-vinda” no país, por supostamente representar o fim da pandemia.

Bolsonaro e Barra Torres, que já vinham se estranhando, entraram em guerra em dezembro passado, quando a Anvisa aprovou o uso da vacina da Pfizer no público infantil. O presidente ameaçou servidores da agência e fez insinuações sobre um suposto interesse escuso da Anvisa. Foi rebatido e desafiado em carta aberta assinada por Barra Torres.

Outra tese bastante difundida pelo bolsonarismo é de que as vacinas contra a covid-19 seriam “experimentais”. Responsável técnico pela aprovação de todos os imunizantes em uso no país, o gerente-geral de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, fez questão de rechaçar o termo.

“Para qualquer produto, é importante um acompanhamento a longo prazo. Isso não significa que as vacinas são experimentais. Isso significa que faz parte da ciência sempre fazer o acompanhamento a longo prazo”, afirmou durante sua apresentação.

As críticas mais duras, contudo, vieram do diretor Alex Campos. Ele classificou de “obscurantismo institucional” o uso que o governo estaria fazendo da Advocacia-Geral da União (AGU) para atacar a credibilidade do SUS.

Na última terça-feira, a AGU acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) com a denúncia de um suposto erro na vacinação de crianças. Segundo os dados apresentados, cerca de 58 mil crianças teriam sido imunizadas de forma ilegal nos postos de saúde.

Na avaliação do diretor da Anvisa, trata-se de uma estratégia do governo para atrapalhar a vacinação infantil, da qual Bolsonaro é opositor declarado.

“É um golpe na vacinação das crianças, que é assegurada pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”, disse Campos. “Um fenômeno que milita para a morte de mais pessoas”, completou o diretor.

A vacinação de crianças e jovens pode representar uma sobrevida para a Coronavac, que já estava praticamente descartada dos planos do Ministério da Saúde para este ano. A pasta, no entanto, ainda não informou se vai realmente usar o imunizante no público menor de 17 anos.