O GLOBO, n 32.352, 05/03/2022. Economia, p. 14
Economia russa perto de colapso similar ao de 98
Economistas já estimam contração de 7% no PIB do país este ano. Após invasão da Ucrânia pela Rússia, preços das 'commodities' disparam, com alta semanal superior a 20% do barril de petróleo, negociado a US$ 118,11
A Rússia está a caminho de um colapso econômico que rivalizará ou até ofuscará o tamanho da crise de 1998 que se seguiu ao calote da dívida russa, embora as consequências financeiras possam ser menores do que naquela ocasião. Economistas começam a publicar previsões para a atual 11ª maior economia do mundo, embora alertem que as perspectivas estejam sujeitas à revisão. A retração do Produto Interno Bruto (PIB) do país, afirmam, pode chegar a 7%. O rublo encerrou a semana em queda de mais de 20% em relação ao dólar nas negociações em Moscou. Cada dólar compra 105 rublos. Em paralelo, os preços das commodities estão indo às alturas à medida que a invasão da Ucrânia pela Rússia continua a agitar os mercados globais e alimentar os temores de escassez de oferta. Elas fecharam a semana com a maior alta desde 1974. Do petróleo e alumínio ao trigo, as cotações dispararam, fazendo o mundo lembrar do choque do petróleo, em 1974.
MOEDA FRACA PREOCUPA
Economistas do JPMorgan disseram a clientes em relatório divulgado ontem que esperam uma contração de 7% no PIB russo neste ano, a mesma previsão do Goldman Sachs. Já a Bloomberg Economics prevê uma queda de cerca de 9%. Em 1998, em meio à crise da dívida, a economia da Rússia encolheu 5,3%. A economia russa balança após Estados Unidos e Europa aplicarem sanções ao comércio, finanças e viagens, congelarem as reservas de seu banco central e cortarem muitos de seus bancos do sistema global de pagamentos Swift. A Rússia procurou isolar sua economia e seus mercados com controles de capital, duplicação das taxas de juros e outras medidas de emergência, que prejudicarão o crescimento do país. “As sanções minam os dois pilares que promovem a estabilidade —as reservas em moeda estrangeira e o superávit em conta corrente da Rússia”, disseram economistas do JPMorgan, liderados por Bruce Kasman, em seu relatório. “As sanções atingirão sua marca na economia russa, que agora parece destinada a uma profunda recessão.” — O longo prazo é que é mais preocupante — disse Tim Graf, chefe de macroestratégia em Europa, Oriente Médio e África da State Street Global Markets.
—A fraqueza da moeda que vemos agora será inevitavelmente inflacionária, principalmente se a economia permanecer fechada do resto do mundo. Não é difícil imaginar cenários extremos semelhantes ao período pós-1998 nesse caso.
SHELL COMPRA ÓLEO RUSSO
A receita de petróleo e gás tem fornecido um suporte em moeda forte para a Rússia porque a venda e o transporte de energia ficaram de fora das sanções,já que os EUA e outros países temem que tais limites acabem prejudicando ainda mais suas economias. O JPMorgan estima que o petróleo do tipo Brent, referência global, pode terminar o ano em US$ 185 o barril, se a oferta russa continuar a ser interrompida. Ontem, os contratos para maio do Brent subiram 6,9%, a US $118,11. O preço do gás de referência europeu subiu 18%, praticamente dobrando em uma semana.
No caso do petróleo, os preços acumularam alta de 21% na semana, com empresas globais evitando o óleo e os combustíveis russos, o que tem provocado uma corrida por suprimentos alternativos. Ontem, porém, a Shell comprou uma carga do principal petróleo da Rússia com um desconto recorde, ressaltando a decisão de continuar comprando suprimentos do país. A petroleira europeia pagou US$ 28,50 por barril — valor bem inferior ao do Brent—,o maior desconto já registrado, levando a carga do Grupo Trafigura. A compra pode ser vista como ato simbólico pelo resto do mercado.
A Agência Internacional de Energia (AIE) alertou que a segurança energética global está ameaçada, e uma liberação de reservas de petróleo de emergência pelos EUA e outras economias não reduziu as preocupações com o abastecimento.
ALTA DO TRIGO
O trigo, por sua vez, atingiu o nível mais alto desde 2008, já que a guerra na Ucrânia significou um corte de um quarto das exportações mundiais do insumo, usado do pão ao macarrão. Os contratos futuros do trigo negociados na Bolsa de Chicago fecharam a US$ 12,09 ontem, alta de 6,61%. O impacto alcança também o mercado financeiro. Na semana, a Bolsa de Londres teve queda acumulada de 6,71%, e a de Frankfurt, de 10,11%. Paris recuou 10,23%. Em Nova York, no acumulado semanal, o Dow Jones caiu 1,30%, e o S&P, 1,27%. Na Nasdaq, ocorreu baixa de 2,78%.
No Brasil, a moeda americana fechou ontem com alta de 1,03%, negociada a R$ 5,0778, em um dia marcado por maior aversão ao risco por investidores, mesmo com o crescimento de 4,6% do PIB brasileiro em 2021. O Ibovespa fechou em queda de 0,60%, aos 114.474 pontos. (Com Vitor da Costa e agências internacionais)