"Mas o Estado democrático excede os limites tradicionalmente atribuídos ao Estado de Direito. Experimenta direitos que ainda não lhe estão incorporados, é o teatro de uma contestação cujo objeto não se reduz à conservação de um pacto tacitamente estabelecido, mas que se forma a partir de focos que o poder não pode dominar inteiramente." Quem diz isso não é um adepto da esquerda revolucionária que estaria à procura do melhor momento para solapar as bases do Estado de Direito. Quem o diz é Claude Lefort, em A invenção democrática, um livro, ao contrário, largamente dedicado à crítica das sociedades burocráticas no antigo Leste Europeu. Nessas frases sintetizam-se reflexões maiores sobre a relação intrincada entre Justiça e Direito. Relação que ultimamente tendemos a ignorar, como se tudo aquilo acontecesse à margem do Estado de Direito Fosse necessariamente ilegal e profundamente animado por premissas antidemocráticas.
Notas:
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, foi professor visitante das Universidades de Paris vll e Paris Vlll. É autor de "A paixáo do negativo: Lacan e a dialética".